Esta história não é verdade, claro; mas se fosse ter-se-ia passado provavelmente na Bretanha, num dos Aber, naqueles casarões de granito e xisto onde se pode passar uma semana sem falar com o anfitrião e ele agradece.
Os bretões são pouco dados a emoções, e menos ainda a palavras. A mulher dele era uma antiga quase-namorada minha. Quase: nunca nos tínhamos decidido a dar o passo, eu porque era casado e ela pela mesma razão. Uma belga germanófona pequena, loira e com um feitio que só granito, xisto e silêncio aguentariam, como aguentaram estes anos todos.
Às vezes eu precisava de um retiro e ia para casa deles passar uns dias, uma semana. Era sempre no inverno, uma época em que na Bretanha chove todos os dias todo o dia. Nos intervalos há nevoeiro, espesso e sólido, tão opaco que nem o nevoeiro se vê.
De manhã íamos comprar o leite, o pão e a manteiga, quando era precisa. O marketing, nessa altura, ainda não tinha chegado a todos os produtos, pelo que era vendida sem embalagem e sem "au sel de Noirmoutier", ou "de Guérande", ou "de Camargue". Era cortada de um enorme bloco que a senhora da mercearia guardava num frigorífico, os cristais de sal grandes e brilhantes como diamantes pequenos. Não havia jornais, excepto o inevitável jornal regional e um ou dois desportivos.
Voltávamos para casa e fazíamos torradas, que barrávamos com fatias de manteiga mais altas do que muitas fatias de queijo que comi desde então. O sal fazia barulho, quando o mastigávamos; igual ao da enorme lareira, que ela tinha, entretanto, acendido. Bebíamos café em grandes tigelas fumegantes em torno das quais enrolávamos as mãos, para as aquecer; pouco a pouco o café ficava com o sabor do sal e da manteiga, porque nele ensopávamos as torradas.
Quando acabávamos o pequeno almoço ia ler para a sala. Lá fora chovia como se Deus quisesse que a manteiga nunca viesse a faltar. Ainda hoje, para mim, a Bretanha é feita de cores: o preto dos telhados, o azul do mar, o verde do campo. E o amarelo da manteiga, claro. E aquela cor indefinida do silêncio, da paz e da amizade, que é a mais bonita de todas.
Os bretões são pouco dados a emoções, e menos ainda a palavras. A mulher dele era uma antiga quase-namorada minha. Quase: nunca nos tínhamos decidido a dar o passo, eu porque era casado e ela pela mesma razão. Uma belga germanófona pequena, loira e com um feitio que só granito, xisto e silêncio aguentariam, como aguentaram estes anos todos.
Às vezes eu precisava de um retiro e ia para casa deles passar uns dias, uma semana. Era sempre no inverno, uma época em que na Bretanha chove todos os dias todo o dia. Nos intervalos há nevoeiro, espesso e sólido, tão opaco que nem o nevoeiro se vê.
De manhã íamos comprar o leite, o pão e a manteiga, quando era precisa. O marketing, nessa altura, ainda não tinha chegado a todos os produtos, pelo que era vendida sem embalagem e sem "au sel de Noirmoutier", ou "de Guérande", ou "de Camargue". Era cortada de um enorme bloco que a senhora da mercearia guardava num frigorífico, os cristais de sal grandes e brilhantes como diamantes pequenos. Não havia jornais, excepto o inevitável jornal regional e um ou dois desportivos.
Voltávamos para casa e fazíamos torradas, que barrávamos com fatias de manteiga mais altas do que muitas fatias de queijo que comi desde então. O sal fazia barulho, quando o mastigávamos; igual ao da enorme lareira, que ela tinha, entretanto, acendido. Bebíamos café em grandes tigelas fumegantes em torno das quais enrolávamos as mãos, para as aquecer; pouco a pouco o café ficava com o sabor do sal e da manteiga, porque nele ensopávamos as torradas.
Quando acabávamos o pequeno almoço ia ler para a sala. Lá fora chovia como se Deus quisesse que a manteiga nunca viesse a faltar. Ainda hoje, para mim, a Bretanha é feita de cores: o preto dos telhados, o azul do mar, o verde do campo. E o amarelo da manteiga, claro. E aquela cor indefinida do silêncio, da paz e da amizade, que é a mais bonita de todas.
Este texto lembra-me os meus tempos no Alentejo, em que eu fazia manteiga em casa (o processo é moroso e dá trabalho, mas é uma delícia) e no fim a punha dentro de uma taça grande de barro cheia de água com sal, para ficar com mais sabor. Depois barrávamos com ela torradas de pão alentejano (o melhor do mundo!) feitas directamente na lareira, com um garfo a manter o pão na vertical, junto do fogo. Nunca mais comi torradas tão boas, e manteiga tão saborosa.
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