12.11.09

Filosofia de bordel

Ontem encontrei-me com um anão na rua das Portas de Sto. Antão. Conhecia-o vagamente de um bordel no Cais do Sodré há nuitos anos. Era lá porteiro (ele; eu era cliente). Cumprimentei-o:
- Ora viva; como está? Há muito tempo que não o via.
- É verdade - respondeu. - Estou bem. Enfim, a tentar reconstituir um ego partido em mil bocados, coisa que ninguém esperaria num anão superficial como sempre fui. E você?
- Óptimo, obrigado. Curioso, porque nunca o vi superficial, e muito menos como tendo fragilidades no ego.
- É, elas estão onde menos se espera. Eu próprio também pensava que sendo superficial como sou, como tento denodadamente ser, não teria problemas desses. Mas olhe, tenho-os. E veja lá que não é nada fácil colar a porra dos bocadinhos de ego que por aí andam espalhados, como pólen sem abelhas.
- A quem o diz, meu caro Anão - (era assim que todos o chamavam, no bordel que ficava ao lado do Bar Hamburgo, de tão saudosa memória - o bar e o bordel, quero dizer). - Sei perfeitamente a dificuldade que é, mesmo para um tipo relativamente normal como eu. Agora imagino para um anão, por muito forte que seja.
- Anão o caralho, sua besta. Ponha-se a andar antes que eu lhe trinque a pila, seu animal.
- E ainda você acha que é superficial, senhor.
- Ora, escondi a superfície nas pregas do cu. Vá, ponha-se a andar, e depressa. Boa noite. Gostei muito de o ver, como sempre.
- Boa noite. Para mim também foi um prazer lembrar os bons velhos tempos da Tiqua e da Melá.
- Ah, a Melá, a Melá.
- Pois, se calhar ela seria uma boa cola para o seu ego fragmentado, não acha, Anão? - (Aqui tirei o meu caro, porque era isso que o chateava).
- Se calhar. Mas broche por broche sempre preferia os da Triz, que eram mais trabalhados, percebe o que eu quero dizer, não percebe?
- Ó se não percebo. Ai Triz, Triz, meretriz de sonho, culta como mais nenhuma, coita como mais ninguém. Bela Triz. Fazia cá uns jogos de palavras...
- De palavras não sei. De boca fazia-os, seu boche de merda. Era você que andava sempre com o Nietszche a tiracolo, não era?
- Sim, era. (Ele era ciumento, via-o agora).
- Pois fique sabendo que eu desde que deixei o bordel fiquei Rousseauiano.
- Rousseauiano? Rousseauiasno, quer você dizer.
- Irracionalista germanófilo!
- Naturalista!
- Venha daí beber uma jeropiga, que estamos em tempo delas.
- Vamos a isso.
- Sabe, agora agencio uma gaja que é materialista. Não acredita na separação entre o espírito e a carne. Tenho que lhe falar dela.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.