19.4.11

Livro de bordos - 18

O bordo a norte está quase a acabar. Em breve apanharei o comboio para Paris, e de lá o avião para a Martinique, de onde saí há duas semanas. Antevejo com prazer a viagem de comboio, se bem a escolha tenha sido decidida pela carestia dos bilhetes aéreos, mais do que pela vontade de passar vinte horas e quarenta minutos, antes de atrasos, em comboios.

Fiz essa viagem, em sentido inverso, uma só vez, há mais de trinta anos; lembro-me de uma "máquina de filmar" de cinco litros que um vizinho de compartimento trazia, e que acompanhou enchidos trazidos por outro - ou seria o mesmo? Não me lembro. Desta, como daquela vez vou sentado: a perspectiva de dormir com mais três gordos a ressonar, eu que sou magro e não ressono, assusta-me (além de que durmo a mesma coisa - pouco - quer vá sentado quer vá deitado; e, sobretudo, já que é para não gastar, então leva-se a opção até ao fim).

Lembro-me também de ter jantado bem, num vagão restaurante que me fazia lembrar os dos cargueiros do antigamente (antigamente de há trinta anos, não antigamente de agora. São diferentes).

O bilhete em segunda classe custa ligeiramente mais caro do que um bilhete de avião na Ryanair se tivesse feito a reserva a tempo,  e pouco mais barato do que os da easyJet ou Aigle Azur se não fosse Páscoa. Espero que o TGV de Lisboa páre onde está: já nos custou uma barrica de dinheiro, já alimentou muitos amigos, já afagou o ego a meia dúzia de ministros e decisores. Não é preciso mais.

Do Marin o bordo continuará para oeste, provavelmente; não sei. Lá para o fim da semana estarei de novo no Mango Bay. A cerveja e o rum substituirão o vinho e o whisky; a um amor antigo junta-se um novo, tão poderoso. Nenhum dos meus grandes amores soube o que é a proximidade: todos foram vividos à distância, ou dela incluíram uma forte dose. O meu sonho é apaixonar-me pela vizinha de patamar (mas agora é tarde: não tenho patamar, quanto mais vizinha).

Volto para de onde vim; não vi todos os amigos que gostaria de ter visto e alguns dos assuntos que vim tratar não estão completamente resolvidos (se bem um deles, longo e penoso, esteja com uma pedra em cima. Em breve estará enterrado e esquecido); o meu saco vai mais leve, o meu coração mais pesado. As viagens não são circulares. Nem lineares são, sequer.

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