22.2.12

Diário de bordos - 210212

A idade não me fez deixar de ser optimista; mas fez-me conhecer-me, o que já não é mau. Pensei que bastaria subir B. dois metros; afinal são mais. Felizmente mandei capinar até bastante mais, para ter a certeza.

A manhã foi passada a passar cabos, arrastar cabos (de aço de 16, para quem sabe o que é) e fazer testes. O barco estava ainda completamente a seco e rebentaram-se dois cabos de massa, que era mais ou menos o que eu pretendia: ver os pontos fracos da coisa.

A maré era às cinco e meia; às duas mandei toda a gente (um senhor de 70 anos, um electricista cuja única função era em princípo operar o guincho, Raimundo e eu) para casa, com o reencontro marcado para as quatro. Raimundo apareceu às quatro e meia perdido de bêbedo.

Às cinco menos um quarto mandei virar, só um bocadinho para ver. B. começou a subir por ali acima como um patinador no gelo. Mau patinador, ou medíocre: vinha um bocadinho de lado. Raimundo estava fora de serviço, de maneira lá andei a patinhar na lama a corrigir a posição dos cabos.

Só tenho um par de sapatos (marca Foreva, oferta de uma senhora há alguns anos), os quais não são de modo algum feitos para isto. Resolvi tirá-los porque estou preocupado com o que vai acontecer quando (ou se, que até agora têm-se portado como soldados de infantaria na Grande Guerra) morrerem.

De repente, estava no meio da carreira extasiado com B. a subir por ali acima, senti os pés desaparecerem. Estavam a ser atacados por uma colónia de formigas minúsculas mas que devem ser para as formigas o que as piranhas são para os peixes. Calcei os sapatos outra vez, claro, esperando que um banho de lama não seja tão mau para a camurça como parece.

Logo a seguir o cabo de aço de 16 que andei a arrastar durante horas rebentou.

Fomos buscar outro tambor. Cinquenta metros para baixo, mais cinquenta metros para cima, mais vinte metros para o lado, o tambor a desfazer-se, empurrar aquilo fazia dos passeios de Sísifo uma volta turística, até chegarmos à conclusão de que o cabo era grande de mais e o tambor do guincho nunca o acomodaria.

É preciso cortá-lo, mas falta uma peça na máquina do electricista. Deixámos para amanhã às seis da manhã: a maré é às seis e um quarto e teremos água que chegue. Se ele encontrar a tal peça, claro.

Não há dias meio vazios, nem copos. Estão meio sempre meio cheios, os dias; e vazios, os copos. Mas isso é porque só me dão copos furados.

A música de Carnaval continua, horrenda, repetitiva, igual. É o último dia; abençoado sejam os últimos dias de todos os calvários.

Tenho os pés cheios de coisas espetadas. Para além de formigas havia muita vegetação que se defendia como podia de pés que a esmagavam.


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