Vou terminar este breve mas importantíssimo (é com toda a modéstia de que sou capaz que o digo) tratado fazendo referência a dois tópicos fundamentais: o racismo e o simbólico.
Não há civilizações para quem os símbolos tenham mais importância do que para outras, ou menos: todos nós, humanidade, atribuímos importância aos símbolos. O problema é que não atribuímos a mesma importância a todos os símbolos. Aquilo que para um europeu pode ser inteiramente destituído de valor simbólico para um africano, ou nacional de um país equiparável tem uma importância vital; e vice-versa.
É um dos aspectos mais difíceis (e interessantes, mas isso são outras núpcias) da integração numa sociedade: descortinar os símbolos e respectivo valor.
Associo muitas vezes o racismo e os símbolos porque andam frequentemente de mãos dadas, apesar de serem tão diferentes como o traseiro e as calças.
No Zaire tínhamos um senhor que vinha, três meses por ano, exercer o seu direito de compaixão. Era um idiota, o que não significa que todos as pessoas capazes de compaixão, um sentimento a priori bom, o sejam. Mas este era. Se bem me lembro era proprietário de uma empresa em Lausanne, na Suíça; e todos os anos "dava três meses ao CICR". [Tenho-lhe, ainda no presente, um ódio muito especial porque foi por causa dele que perdi a minha segunda colecção de arte africana, por sinal bastante melhor do que a primeira, vendida em Zurique para compensar o roubo de uma carteira. Esta ficou em Lubumbashi porque o homem pensava que não nos deixariam atravesar a fronteira com ela, quando fomos evacuados pela terceira e última vez. Os guardas nem abriram o carro].
Não lembro o nome do homem, mas cada vez que fazíamos uma viagem de carro ele deixava um dos assistentes pretos da Delegação ir sentado à frente. Aquilo revoltava-me, porque eu sabia que os valores simbólicos eram totalmente diferentes: o que para o nosso idiota era irrelevante (e "racista", um dia que lhe fiz a observação") era para o funcionário um sinal da sua extrema importância dentro da organização. Da qual ele, naturalmente - quem não o faria? - se aproveitava, a tal ponto que tive de o admoestar muito clara (é caso para o dizer) e frontalmente.
Um ocidental - e eu devo dizer que deve haver pouca gente mais colour blind do que eu - educado na crença de que racismo = mau = homem branco chega a Àfrica e não se apercebe - não quer, não pode aperceber-se - de que há cores, e que essas cores estão permanentemente presentes no espírito de quem nos fala. Sempre. E que não ignorar essa realidade simples não é racismo: é realismo e capacidade de adaptação.
Qualquer pessoa que tenha vivido em África sabe que há racismo entre as diversas tribos - e por vezes violento (não preciso de evocar o genocídio do Ruanda, creio). Esse racismo também existe em relação às outras raças. Em África a noção de "nós e eles" faz parte da identidade colectiva, (se é que tal coisa existe). E não lhe dar a devida importãncia é uma fonte de intermináveis sarilhos para os jovens casais etc..
Não é só em África, claro. Uma vez via na televisão um programa sobre a Guiana Francesa, mais especificamente sobre a base de lançamento de foguetões de Kourou [creio]. A certa altura a repórter entrevistava uma empregada de limpezas, que disse "a vida é boa, etc. os salários e tal, só é pena o racismo". "O racismo?", perguntou a "jornalista", entre aspas. "Sim, o racismo. Você olha para estes brancos todos, engenheiros, doutores, físicos, matemáticos, e pensa que eles me falam? Nem me vêem". Seria interessante, claro, perguntar à senhora das limpezas se ela pensava que em França um engenheiro vê uma colega dela. Eu sei que não, qualquer que seja a cor da dita empregada. Em África, ou em países similares, o racismo é o referente. Não há classes, grupos culturais, comunidades, o que for. Há raças (e a raça branca é a má). Não é má ideia o jovem casal precaver-se contra isto.
E contra-atacar, naturalmente. Só é racista quem pensa que "um preto" não pode ser estúpido.
PS - Mesmo sabendo que essa estupidez vem, muitas vezes, de carências alimentares graves durante a infância.
Não há civilizações para quem os símbolos tenham mais importância do que para outras, ou menos: todos nós, humanidade, atribuímos importância aos símbolos. O problema é que não atribuímos a mesma importância a todos os símbolos. Aquilo que para um europeu pode ser inteiramente destituído de valor simbólico para um africano, ou nacional de um país equiparável tem uma importância vital; e vice-versa.
É um dos aspectos mais difíceis (e interessantes, mas isso são outras núpcias) da integração numa sociedade: descortinar os símbolos e respectivo valor.
Associo muitas vezes o racismo e os símbolos porque andam frequentemente de mãos dadas, apesar de serem tão diferentes como o traseiro e as calças.
No Zaire tínhamos um senhor que vinha, três meses por ano, exercer o seu direito de compaixão. Era um idiota, o que não significa que todos as pessoas capazes de compaixão, um sentimento a priori bom, o sejam. Mas este era. Se bem me lembro era proprietário de uma empresa em Lausanne, na Suíça; e todos os anos "dava três meses ao CICR". [Tenho-lhe, ainda no presente, um ódio muito especial porque foi por causa dele que perdi a minha segunda colecção de arte africana, por sinal bastante melhor do que a primeira, vendida em Zurique para compensar o roubo de uma carteira. Esta ficou em Lubumbashi porque o homem pensava que não nos deixariam atravesar a fronteira com ela, quando fomos evacuados pela terceira e última vez. Os guardas nem abriram o carro].
Não lembro o nome do homem, mas cada vez que fazíamos uma viagem de carro ele deixava um dos assistentes pretos da Delegação ir sentado à frente. Aquilo revoltava-me, porque eu sabia que os valores simbólicos eram totalmente diferentes: o que para o nosso idiota era irrelevante (e "racista", um dia que lhe fiz a observação") era para o funcionário um sinal da sua extrema importância dentro da organização. Da qual ele, naturalmente - quem não o faria? - se aproveitava, a tal ponto que tive de o admoestar muito clara (é caso para o dizer) e frontalmente.
Um ocidental - e eu devo dizer que deve haver pouca gente mais colour blind do que eu - educado na crença de que racismo = mau = homem branco chega a Àfrica e não se apercebe - não quer, não pode aperceber-se - de que há cores, e que essas cores estão permanentemente presentes no espírito de quem nos fala. Sempre. E que não ignorar essa realidade simples não é racismo: é realismo e capacidade de adaptação.
Qualquer pessoa que tenha vivido em África sabe que há racismo entre as diversas tribos - e por vezes violento (não preciso de evocar o genocídio do Ruanda, creio). Esse racismo também existe em relação às outras raças. Em África a noção de "nós e eles" faz parte da identidade colectiva, (se é que tal coisa existe). E não lhe dar a devida importãncia é uma fonte de intermináveis sarilhos para os jovens casais etc..
Não é só em África, claro. Uma vez via na televisão um programa sobre a Guiana Francesa, mais especificamente sobre a base de lançamento de foguetões de Kourou [creio]. A certa altura a repórter entrevistava uma empregada de limpezas, que disse "a vida é boa, etc. os salários e tal, só é pena o racismo". "O racismo?", perguntou a "jornalista", entre aspas. "Sim, o racismo. Você olha para estes brancos todos, engenheiros, doutores, físicos, matemáticos, e pensa que eles me falam? Nem me vêem". Seria interessante, claro, perguntar à senhora das limpezas se ela pensava que em França um engenheiro vê uma colega dela. Eu sei que não, qualquer que seja a cor da dita empregada. Em África, ou em países similares, o racismo é o referente. Não há classes, grupos culturais, comunidades, o que for. Há raças (e a raça branca é a má). Não é má ideia o jovem casal precaver-se contra isto.
E contra-atacar, naturalmente. Só é racista quem pensa que "um preto" não pode ser estúpido.
PS - Mesmo sabendo que essa estupidez vem, muitas vezes, de carências alimentares graves durante a infância.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.