23.2.12

Diário de bordos - Parnaíba, Piauí, Brasil, 22-02-2012

Não conseguimos puxar B. mais para cima. Às seis e um quarto da manhã fizemos a primeira tentativa, só com um cabo de massa; rebentou. Passei três; rebentaram. Não valia a pena insistir. É para isso que servem os planos B (B podia ser de Brasil, mas não é; o Brasil requer planos até Z, no mínimo).

Vai ficar onde está. Hoje Raimundo cortou madeira para fazer calços. Vou tentar elevar o bote quarenta centímetros. É suficiente para deixar os fundos completamente à vista. Depois é secar, fibrar e pôr na água outra vez.

Vai ser preciso fundear uma embarcação de pesca no rio e  virar [puxar] B. com o guincho. Se a praia-mar calhar bem talvez nem seja preciso fundear. Não sei; tento não pensar muito nisso. Levantar o barco com dois macacos hidráulicos não deve ser muito complicado; não costuma ser, pelo menos. Porque o será amanhã?

Talvez pela mesma razão que leva um cabo de aço de 16 mm de diâmetro a rebentar. Também não é costume.

À tarde fui comprar plástico para impermeabilizar o convés. Foi fácil de encontrar, à segunda loja tinha o que precisava (enfim, quase; mas se for preciso mais não será difícil encontrar). Em contrapartida não encontrei tape boa. A mais resistente que por aqui há é a que se usa para fixar os tapetes ao chão. Já tenho estado em sítios onde não há nada, mas Parnaíba é absolutamente alucinante. Tape.

Andava à procura dela e lembrei-me do ship chandler em St. Martin onde fiz as compras para a Ondeck; depois lembrei-me dos chandlers de Antigua, que eu pensava "não terem nada". Finalmente parei de pensar. Prometo que nunca mais desperdiçarei um centímetro que seja de tape, tal como não desperdiço uma gota de água doce.

Foi um dia calmo, melancólico, nostálgico. Apreciei de novo a solidez daquele casco. Aquilo não é um casco, é um cofre-forte. Passei uma caixa de charutos ao Raimundo por causa da grossa de ontem; maravilhei-me uma vez mais com a sublime incompetência das pessoas que fizeram os quartos na pousada - é impossível um gajo não se extasiar com tanta falta de brio, tanta negligência, tanto desinteresse -; andei pela zona comercial de Parnaíba.

A quantidade de lojas é surpreendente, mas não consigo perceber de onde vem o dinheiro dos seus clientes. Uma vez perguntei e disseram-me que vem do Governo. As pessoas ou são funcionárias públicas ou recebem subsídios.

É verdade que é aflitivo abrir um jornal aqui (em Fortaleza, aqui ainda não abri um desde que cheguei): a presença do governo na vida das pessoas é inimaginável. O governo quer que os brasileiros façam  mais desporto - oops, sai um subsídio, uma pista, um "apoio estatal"; o governo quer... não continuo, é demasiado deprimente.

Que se lixe. Se eles querem dar subsídios em vez de reduzir as taxas aduaneiras e a carga fiscal é com eles. Mas este país é um excelente caso para se ver o resultado das políticas proteccionistas. O que é irónico é que são feitas para "proteger os pobres". Estranha forma de protecção. E não há quem as questione, apesar de o resultado ser ululantemente óbvio.

Aos poucos reabituo-me à paisagem; gosto do rio, barrento e não muito largo, das árvores em tudo quanto é sítio, das casas recuperadas do meu cantinho de Parnaíba. É uma ilha num mar de desolação, mas é uma ilha bonita.

O restaurante Aventur continua prodigioso. O tempo médio de espera por um prato é quarenta e cinco minutos - tempo médio de espera quando está vazio, note-se. Quando tem clientes o prazo dilata, naturalmente. Não chega à hora e meia duas horas de Bujumbura, mas anda lá perto.

Quero ir para Grenada depressa. Um dia páro, e quero chegar depressa perto desse dia. 

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