Chegámos a Saint Martin às duas e meia da manhã e fundeámos à entrada da marina de Marigot. Levantei-me para saber se precisavam da minha ajuda e o imediato apanhou um susto. «What are you doing? Go back to bed!» Fui, imediatamente. A verdade é que desde as onze da noite que estava a tentar dormir, tarefa (dormir pode ser considerado uma tarefa?) impossível com o barulho dos motores. Esta manhã acordei recomposta e fiz tudo o que precisava de fazer, inclusive ajudar a atracar na marina e limpar o sal do barco -- apesar de ainda precisar de fazer muito mais, temos passageiros daqui a três dias.
Vista da marina, a parte francesa da ilha de Saint Martin é bonita. Quero dizer que a paisagem é bonita, com mais relevo, aparentemente, do que Antígua. No entanto, a marina tem um ar muito europeu, mais do que a do Yacht Club ou a de Jolly Harbour -- do que Nelson's Dockyard então nem se fala, é uma marina que parou no século XVIII e que não é, por isso, de outro lugar, é de outro tempo. Ia dizer que as marinas são todas iguais, mas se calhar não é verdade. Enquanto os rapazes -- como o capitão chama, carinhosamente, ao resto da tripulação -- cozinhavam o braai (churrasco em Afrikaans, eles são todos sul-africanos e, como tal, adoram churrasco) para o jantar, fui dar uma volta pela marina. Refeições animadas em todos os charters da Dream Yachts e um catamarã que me caiu no goto: um Privilège 615, mais pequeno do aquele em que trabalhei, e que me pareceu perfeito para nós. Eu e tu, tu e eu. Quem precisa de uma casa quando tem um barco daqueles para viver onde quiser, com mais espaço do que se consegue num T1 no centro de Lisboa?
Bebi dois copos de Casillero del Diablo (um vinho tinto chileno bom, mas demasiado redondo para o meu gosto, o que não quer dizer que seja redondo) e estou a morrer. O vinho tinto, não sei porquê, torna o cansaço mais evidente; se for bom como este transforma também todas as superfícies em nuvens. Não percebo nada de vinho. Sei que o melhor que já provei era tinto e se chamava Ensaios (Filipa Pato); bebi-o com a Aurora no Buenos Aires, antes de ela voltar para a Argentina. O Buenos Aires é um sítio muito especial para mim, e não é só por ser encantador e ter aquela salada de flores e queijo. Foi lá que me viste pela primeira vez e que me ocorreu, pela primeira vez, esta questão: as pessoas são apenas aquilo que são, ou são também aquilo que desejam ser? A resposta certa é «são tantas coisas que ninguém sabe bem aquilo que elas são». Mas o que foram e o que serão é uma parte importantíssima do que agora são.
Estou a ouvir o meu disco favorito. Faz quase um ano que to enviei para o Marin, lembras-te? Com uma carta a que não respondeste. Parece que é uma sina minha: só me respondem às cartas de amor quando já não há amor. Mas tu disseste-me que responderias todos os dias, e tens respondido. Ainda assim, não é a mesma coisa; uma carta exige uma resposta no mesmo suporte e com a mesma intensidade com que foi escrita.
Amanhã escrevo às minhas irmãs, sabendo que não me poderão responder. Não tenho morada; ou talvez tenha, mas demasiado extensa.
Amanhã escrevo às minhas irmãs, sabendo que não me poderão responder. Não tenho morada; ou talvez tenha, mas demasiado extensa.
Já sei qual vai ser o desenho de hoje no ADAD. Algures uma imagem de quando estive em Saint Martin. Faz de conta que a estou a fazer nas mesas de madeira dum qualquer bar da marina.
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