12.3.12

Parnaíba, Piauí, Brasil, 12-03-2012

I
"Metade de uma viagem de cem li não são cinquenta li; são noventa", diz o incontornável provérbio chinês. Em quantos li vou?

- Dos oito buracos que havia para tapar, sete estão prontos; o oitavo exige quase tanto trabalho como os outros todos  juntos. Hoje vai um carpinteiro começar a preparação dessa operação; a qual estará terminada, se tudo correr bem, quarta ou quinta-feira. Se não chover, claro. [Sim, está de chuva.]

- Das duas anteparas, uma está fibrada; a outra é um trabalho relativamente simples, que ficará pronto hoje, se não chover.

- Para além dos buracos que conhecíamos o casco de BB ainda tem uma ou mais fugas de água. Vamos tentar descobrir-lhes a ou as origens hoje. Se forem onde eu penso, amanhã estarão reparadas. É preciso que não chova. Se não forem onde eu penso...

- Assim que os buracos estiverem todos tapados e a resina seca vamos arrear o B. dos calços e pô-lo em cima de carnaúba [troncos de palmeira]. Gostaria de o descer um bocadinho para o aproximar da água e poder verificar eventuais fugas de água, mas não sei se será possível.

- Do material que preferi transportar por estrada, tudo estará entregue hoje, excepto o mastro, que ficou a 160 quilómetros do destino. Preciso de encontrar um transportador com um camião suficientemente grande. Para isto vou solicitar a ajuda de Gildemi, que devia ter feito a viagem de noite e não fez.

- As bombas manuais foram revistas, uma delas reparada; é preciso fixá-las melhor; duas horas de trabalho, três, vá. Não depende de factores exteriores.

- Tenho um reboque garantido - enfim, na medida em que o que quer que seja está garantido aqui - mas é caro e gostaria de encontrar uma alternativa mais barata.

- Antes da largada preciso de um dia inteiro (isto é, 24 horas) para me certificar de que tudo está em ordem.

Cinquenta li? talvez um pouco mais. Ainda estou longe da metade.

II
Isto na perspectiva tarefa a tarefa. Podíamos dividir o bolo nos seus componentes:

Impermeabilização dos cascos - incompleto. 65% feito [estas percentagens não são o resultado de um cálculo com variáveis concretas; são feitas por um instrumento chamado achómetro, ou olhómetro];

Transporte rodoviário - incompleto. 50% feito;

Viagem (e respectiva segurança) - incompleto. 10% feito (assumindo que encontrar um reboque é 10% da tarefa).

Sim, estou longe dos noventa li.

III
Estou há um mês em Parnaíba e já tenho matéria para uma análise sectorial:

a) Trabalho
- Três dias à espera de N. para me dar as chaves;
- Os mesmos três dias para fazer uma ideia do status quo;
- O Carnaval fez-nos perder bastante tempo, porque a capinagem, que podia ter sido feita num dia levou quatro;
- Viagem a S. Luis: o grande problema foi ter passado esses dias sem ningém no barco, consequência da falta de confiança em Raimundo;
- O cabo que rebentou quando estávamos a subir B. - se tivesse ficado onde eu queria as condições de trabalho seriam melhores e estaríamos menos dependentes das marés;
- A descoberta da mossa no casco de BB, invisível enquanto não começámos a lixar.

b) Staff
- Raimundo foi uma excelente escolha para a capinagem, péssima para o resto. Era efucaz e inteligente. Infelizmente o hábito da cocaína tornava impossível a convivência com ele, e mais ainda ter confiança nele. Não o quis deixar sozinho enquanto estive fora, e isso custou-nos alguns dias.

- Edgar foi uma consequência imprevista de Raimundo. Quando cheguei a minha primeira opção foi contratar pessoas que já tivessem uma ligação ao estaleiro, mas só ouvi nãos, por razões que imagino mas não garanto.

Quando me viram a pagar bastante acima do normal, e a horas, a atitude mudou. Edgar, que anteriormente se mostrara indisponível, mudou de opinião. Foi uma excelente aquisição.

- De Luis Carlos não há nada a dizer. Trabalha bem, eficazmente, é pontual, polido, educado. Uma frincha de normalidade na muralha de particularidades locais. (É outra consequência indirecta do que descrevo acima, foi conseguido por intermédio de alguém que trabalha no estaleiro.)

c) Tempo
Choveu relativamente pouco, ou menos do que poderia ter chovido. Mas choveu em dois momentos cruciais, que nos fizeram perder tempo.

d) Outros
- O azar de termos calhado num policia incorruptível (ou então demasiado caro, não sei).

Esta história da corrupção é a que mais me aborrece. Um país em que nada funciona (ou pelo menos nada funciona bem, facilmente) não se pode dar ao luxo de não ter corrupção. Isso é para países do norte, organizados e com uma boa oferta de serviços.

Gildemi perguntara-me, antes de nos despedirmos, se "podia dar qualquer coisa à polícia, em caso de necessidade". Disse-lhe que sim, sabendo que o que ele me estava a dizer é que o transporte seria mais caro do que o combinado.

Afinal nem sempre sabemos o que pensamos saber: a polícia mandou o mastro ficar em Vargem Grande, ponto final. E a viagem vai ficar mais cara do que o combinado não por causa de um baksheesh, mas porque vou ter de contratar outra transportadora.

Valeu a pena correr este risco, em vez de contratar directamente um camião adequado? Não sei. Vejamos:

1. Tempo - o mastro em Vargem Grande não me impede de sair de Parnaíba, o equipamento todo aqui sim;

2. Flexibilidade - Gildemi está baseado em Parnaíba. Pudémos carregar o camião quando nós estávamos prontos (foi preciso embalar tudo) e não tivemos de deixar de fazer nada por causa disso. Com um camião vindo de S. Luis as datas seriam rígidas;

3. Custo - A priori dois camiões vão sair mais caros do que um, mesmo passando uma parte dos custos para Gildemi; mas será mais fácil encontrar um para fazer os 320 quilómetros de Vargem Grande do que os 1000 de Parnaíba.

A ideia de transportar o mastro no B. foi abandonada por questões de segurança. O casco não tem cunhos nem molinetes nem qualquer ponto de fixação, e pear aquilo teria sido uma roleta (talvez não russa, mas de não muito longe da Rússia sem dúvida).

IV
E assim começa uma semana nova, a última em Parnaíba, inch'Allah. Quando estiver a passar a barra de Luis Correia iniciarei a última etapa desta primeira fase.

.......
Tem estado a chover o dia todo.

.......
O equipamento foi entregue no estaleiro em S. Luís. Uma das razões pelas quais chegou tão tarde é que o motorista tinha a carta de condução caducada. Ficou apreendida na polícia. O ou os agentes que mandaram o camião parar eram realmente incorruptos. 

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.