Não me atrevo a dizer "Hoje é o último post de Saint Martin". Isso quereria dizer que perdi a esperança de voltar -- ainda não, porque a esperança é uma doença quase incurável. Direi, por isso, "Até Outubro, St. Martin", se Deus quiser.
O armador saiu um dia depois do que tinha anunciado, para desespero de toda a tripulação e restante criadagem. O dia de ontem, aquele em que não partiu, foi interminável -- como têm, de resto, sido todos os meus dias aqui desde que esta viagem começou (resta-me perguntar se o conceito de viagem inclui isto que fazemos, não ir praticamente a lado nenhum, ficar nos lugares que já conhecemos sem os viver, não tirando deles mais do que uns minutos de vento que não é, felizmente, igual em todo o lado). Fiz uma bolognese impressionante no micro-ondas (impressionante exactamente por ter sido feita no micro-ondas), deixei cozer a massa de mais, comi todo o chocolate que o Luís me trouxe (não foi do Brasil, suponho que tenha sido do aeroporto) e mais algum que consegui encontrar. A ansiedade dá-me para comer, a angústia para não comer. A angústia já passou.
Os senhores despediram-se de mim com um «see you soon», como se me fossem ver na próxima "viagem". O pedido de desculpas não veio, claro, e o salário também ainda não. Há três coisas nesta família que me deixarão saudades: o sorriso do bebé quando lhe digo um disparate qualquer; o acenar do outro bebé pela manhã, que sabe que não falamos a mesma língua mas quer, ainda assim, comunicar; poder ficar com as caixas da Hermès que eles deitam fora como se não fossem peças de design extraordinárias para guardar pares de meias ou elásticos de cabelo, sei lá.
K., o cozinheiro, deu-me um abraço tão apertado e comovente que levou S. a dizer «get a room!» (às vezes sinto-me outra vez no liceu, só que ainda mais desajustada do que quando não sabia responder às piadas parvas da miudagem com quem nunca me identifiquei). Também vou ter saudades dele, e de ver M. atirar-se à água de cuecas porque perdeu uma aposta com o patrão.
O barco que vou deixar vai passar metade do Verão em Antígua, a terra que eu, em tão pouco tempo, aprendi a amar como se fosse a minha, onde fui mais feliz do que na minha, onde gostaria, um dia, de ser mais feliz ainda -- a esperança, já o disse, é uma doença quase incurável. Será que voltarei a sentar-me ao balcão do Mongoose e beber o melhor rum punch do mundo preparado com carinho pela Connie ou pelo Junior? Verei outro fim de dia do gazebo do Reef Gardens contigo e o gato Lager ao pé? Comerei outra refeição magnífica feita pelo Serge no Rum Baba? Abraçarei a Ilaria por me ter contratado com um ano de antecedência para cantar na noite de São Valentim? Ouvirei o clarinetista John tocar no Café Club enquanto seduz uma ou outra senhora à frente da mulher? Conhecerei mais mil pessoas diferentes que me sorrirão como se fôssemos amigas desde o princípio dos tempos, como aquela senhora adorável que adora Sintra e dança como se tivesse um Fred Astaire dentro dela mas ao mesmo tempo lhe faltassem os parafusos todos?
Na segunda-feira parto. Daqui para Charlotte, na Carolina do Norte, onde passo a noite; na tarde seguinte, de Charlotte para Toronto, onde vou estar duas horas com a minha querida L., que não vejo há tanto tempo, desde que emigrou; no mesmo dia, de Toronto para Ponta Delgada, onde chegarei na manhã do dia seguinte; à tarde, apanho um voo para a Horta onde espero embarcar no DARK HORSE, se Deus quiser.
Por favor.
Gostei muito Tatiana. Obrigada
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