25.2.14

Diário de Bordos - Cidade de Panamá, Panamá, 25-02-2014

Estranho o prazer que sinto em rever Panamá. Percorro as capelinhas todas - Rana Dorada, Lovaina, a senhora que vende Marlboro verdadeiros a metade do preço dos outros, falsos, Finca del Mar; revejo Alexis, o melhor chauffeur de táxi do mundo e arredores; sou recebido com evidente e real prazer pelas empregadas do clube náutico onde "vivi" quase quatro meses (e com evidente, igualmente real e recíproco desprazer por outras pessoas, mas isso indifere-me a tal ponto que quase me magoa).

Tento perceber o porquê desta súbita reconversão. Há muitas razões para não se gostar de Panamá: a rudeza e má educação das pessoas, o trânsito permanentemente engarrafado e agressivo, a sujidade e o barulho das ruas, a falta de ética e má qualidade do trabalho, a chuva, a falta de passeios.

Mas a verdade é que é importante, é preciso ter pontos fixos, repères numa vida em constante movimento. Onde quer que vá estou em trânsito, de passagem. É um sentimento de que gosto; mas ir a um sítio que conheço e onde sou conhecido é bom, agradável. E se calhar é preciso, vá saber-se.

E há outras razões: estou entre duas viagens e preciso de uma pausa; e a sensação de que fui injusto com esta cidade: detestei-a porque me detestava quando aqui estive. A verdade é que tem coisas agradáveis - hoje passeei pela Cinta Costera com o mesmo prazer com que o fazia todos os dias, por exemplo -.

Além de que tem súbitos e inegáveis acessos de civilização, coisa de que ando necessitado.

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Desembarquei do HELENA S. como sabia que ia desembarcar, e como não queria fazê-lo: a correr. Custa-me deixar um barco assim; ainda mais custa deixar aquele. Um barco é um ser humano: tem os seus humores, os seus defeitos e qualidades, um futuro e um passado. O HELENA S.  é uma mulher bonita que se descuidou; não merece que a deixemos a correr - não merece que a deixemos, sequer -.

Um barco tem curvas, formas, reacções, uma cabeça - que alguns pensam ser eles, erradamente - e uma vida. Ama-se um barco como se ama uma mulher: começa-se por se gostar dos seus defeitos; e se as suas qualidades estiverem à altura dos seus defeitos o barco - como qualquer pessoa - é amável.

Eu amo o HELENA S. Ponto.

E ele ama-me, coisa que me enche de prazer e orgulho.

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De maneira aqui estou no BYC a ver passar os navios que entram e saem do Canal, a ver a luz derramar-se sobre eles como o mel de que fala Leonard Cohen, e a pensar que uma vez mais estou de passagem, que o meu olá vem seguido de adeus, que estou num sítio ao qual não sei se e quando regressarei.

E inquieto. Mas isso é outra história, e fica para depois.

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