26.6.14

Diário de Bordos - S. Luis, Maranhão, Brasil, 25-06-2014 (post a posteriori)

Hoje consegui pela primeira vez não passar por ET.  Li não sei onde que Portugal tem de ganhar por cinco golos ao Gana; quando a primeira pessoa com quem falei logo de manhã exprimiu a sua pena por a nossa selecção estar prestes a regressar a casa fiz um ar entendido e repliquei Ora, só precisamos de ganhar por cinco a zero.

Uma das coisas que aprecio no Brasil é que a ironia é entendida e apreciada. A piada teve sucesso e usei-a mais duas ou três vezes durante o dia. Não posso ainda dizer Sou um deles. Mas pelo menos evitei esgares atónitos, sorrisos mais ou menos trocistas e explicações desconchavadas, que me fazem sentir como se estivesse a falar chinês a um gajo que só fala espanhol.

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Ontem conversava com o Sérgio sobre o assoreamento da baía. Faz dó, este lamaçal enorme, absurdo, prejudicial. Explicou-me que o marido da Governadora - uma Sarney, ou seja uma versão pior e ainda mais corrupta dos Soares - tem uma lancha a motor e já falou diversas vezes nas vantagens de dragar aquilo.

A baía começou a assorear há cinquenta anos, quando alguém mandou construir uma barragem no rio Bakanga. As consequências foram catastróficas: ash pessoas que viviam da pesca tiveram de mudar de ofício, a baía começou a assorear a um ritmo alucinante e o Bakanga transformou-se numa espécie de cano de esgoto sem saída.

Um dos organismos que se opõem à dragagem da baía é o IBAMA, o instituto brasileiro cuja função oficial é proteger o meio ambiente. A verdadeira missão, claro, é diferente: consiste em servir de coito a milhares de pequenos déspotas e dar-lhes oportunidade de exercer a sua autoridade sem qualquer espécie de controle e em total impunidade. O IBAMA é um organismo fascistóide, ditatorial, tirânico, cheio de Hitlers em potência.

Mas como sempre a história é complicada: quando começou a falar disso o marido da governadora - que por mera coincidência é filha do homem que mandou construir a barragem - começou a ser acusado de querer encher os bolsos e ao fim de um bocado abandonou a ideia. Ou seja; o homem queria fazer - ou que se fizesse, ele não tem nenhum cargo oficial - uma coisa boa; mas a sua paciência é menor do que a desconfiança dos brasileiros de tudo o que cheire a político, e do que os tiques fascistas de um organismo público, cujo lema é (cá como em todo o lado) não fazer nem deixar fazer.

Um dia li um artigo segundo o qual as pessoas desconfiadas são mais enganadas do que as que confiam nos outros. Esta história é uma maneira estranha de confirmar a validade dessa tese, ou a sua aplicabilidade a outras áreas.

Se bem, no Brasil, a desconfiança de tudo o que cheire a político seja mais do que justificada. Como me dizia ontem um condutor de táxi, S. Luís tem azar com os prefeitos. Sai um ruim para entrar outro pior.

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Hoje fui à ponta da Areia, um dos bairros chiques de S. Luís. Ia a uma reunião do clube de vela do qual Sérgio faz parte. Qundo cheguei não estava ninguém e resolvi ir dar uma volta pelo bairro. Parece outra cidade. Assim percebe-se porque tanta gente gosta do Brasil. A música não está aos berros, as pessoas não estão ou cheias de crack ou a tentar encher-se dele, os bares e restaurantes são bonitos e bem tratados, o ar não cheira a mijo. Podia estar em qualquer cidade americana ou europeia. Limpeza, silêncio, mesas e cadeiras de qualidade.

A gentrificação dos centros das cidades é uma constante em todo o lado. Pergunto-me quanto tempo vai levar em S. Luís. Uma vida ou duas, no mínimo.

O Brasil é um país que constrói aviões e vende armas à França. Na Ponta da Areia e na Lagoa da Jansen é fácil ter isso presente. No Reviver é impossível.

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