Voltei para casa pus um disco do Keith Jarrett - mas não o Köln: quero uma coisa que me projecte para o futuro, não o passado - servi-me uma dose tripla de whisky (tripla é uma maneira de dizer. Enchi a caneca) e fui para a varanda pensar.
Uma das vantagens das varandas é que nos dias de vento pensa-se nelas melhor do que numa sala de estar, por muito confortáveis que sejam os sofás e potente o ar condicionado. Questão de vento, suponho: ajuda a pensar (o whisky também, quando não é de mais).
Pensar não é o meu exercício favorito. Um gajo começa a pensar e já sabe que as coisas vão acabar mal, e quanto mais pensa pior elas acabarão. Pelo menos gajos como eu, com deficiências no aparelho pensador.
Sem descrever o que nos rodeia nada se compreende.
Da minha varanda vejo a cidade e ninguém me vê: não tenho prédios à frente ou acima de mim e a quem está mais baixo o parapeito tapa-me. Nem um telescópio super-potente me tornaria visível.
Não tenho um: os outros não me interessam o suficiente para lhes espreitar a intimidade. Destrinçar-me é trabalho suficiente.
Ontem A. disse-me clara e explicitamente que ou nos casamos ou ela se vai embora. Está farta de, cito, "quase relações". Faço-lhe ver que ela tem muito mais dinheiro do que eu, que o casamento seria desequilibrado, que a leveza do nosso namoro é muito mais garantia de perenidade do que o peso de uma instituição; menciono-lhe os inconvenientes da vida a dois, a ausência de solidão provoca mais divórcios do que todas as infidelidades juntas.
Mentiras, tudo.
(Cont.)
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