Deus sabe que não acredito nele nem em nenhuma das suas formas. Não sou propenso a religiões sejam elas mono ou politeístas, políticas ou sociais, produtos da moda ou da ganância.
É possivelmente um defeito; não sei. Dizem-me frequentemente "mas acreditas em alguma coisa, de certeza".
Sim: acredito em mim, no vento e no mar, por junto ou em separado. Acredito na música, em alguns dos livros que li e filmes que vi, como Providence, Dersou Uzala, Casablanca ou Dodeskaden.
Acredito na capacidade transfiguradora de um bom rum ou um bom vinho, em alguns olhares e algumas peles que a providência me pôs debaixo das mãos ou dos olhos.
Acredito na vida e na morte, no poder purificador da solidão e na beleza do seu fim. Nas palavras, todas elas: não porque sejam a verdade mas porque são palavras, seja o que for que transportam.
Acredito em milhares de coisas: um sorriso, uma carícia, um bom café ou um chá branco feito como deve ser. Um cozido à portuguesa no Vasco da Parede ou um prato de accras de morue, um rum punch feito pela Tanya no Lagoonies ou um Mount Gay em Bequia.
Acredito na música de Hildegarde von Bingen, Frank Zappa, Miles Davis ou John Coltrane, nos Carmina Burana ou nas Vésperas de Rachmaninov, em Glen Gould e em tudo o que Borges, Beckett, Marguerite Yourcenar e Fernando Pessoa escreveram; num corpo que quer dançar e noutro que quer dormir; no que vejo e no que sei, em tudo o que já esqueci e no que vou aprender. No poder infinito de um determinado verbo quando acompanhado por um pronome reflexo, nos universos que esse verbo descobre e me faz descobrir.
Acredito na elusiva felicidade e na perenidade da sua ausência. Em alguns bares, como o Soggy Dollar em Jost van Dyke ou o Procópio em Lisboa. E restaurantes, livrarias e mercados em toda a parte do mundo.
Não há deuses ou deusas que cheguem sequer ao calcanhar de tudo isto, porque tudo isto existe e eles não.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.