9.2.16

Amálgamas, urgências

Aquela mistura de amor e ausência que nasceu da ausência de amor; a das respostas para as quais procuramos perguntas, gentileza a agradacer tanto a quem deu as respostas como a quem formula as questões - o contrário é pior, muito pior -; aqueloutra mescla de presença e amor - isto é, duas presenças e um amor -; dois tempos que se olham com o olhar vazio dos leões de cerâmica dos templos chineses, leões com dúvidas, com hesitações, com respostas perdidas como estes chapéus de sol que o vento abate e empurra pela rua até que a empregada do café vá a correr buscá-los, não vão eles fundir-se na calçada e desaparecer como um truque de prestidigitação e levar com eles essas perguntas que me e te farei quando as encontrar, quando o vento acalmar, quando o frio aquecer e deixar de o ser.

Um frio quente; um calor frio; mesclas, amálgamas de quem não sabe viver de um lado só da linha, por muito sinuosa que esta seja.

Chove amorosamente, a água escorre devagar pelos vidros, vejo-te do outro lado, na rua, hesitante. Para que lado queres ir? Não se pode ir para os dois: a ausência é à esquerda e a presença à direita e se fores em frente não as juntas. Antes pelo contrário: perde-las. Não vás em frente.

Bebo chá, imagina tu. Com leite. Os chineses não digerem o leite. Fazem leões inexpressivos mas assustadores. Pergunto-me como pode uma coisa assustar se não tem expressão. Como estar e não estar, isto é, como estar ausente estando presente. Ou o contrário. Qual preferes?

Não sei. Gostaria que começasse a chover e a água escorresse amorosamente pelo vidro da janela do outro lado da qual tu estás. Mas não começa. Não estás. Nada acontece nunca como queremos quando queremos. As respostas nunca chegam com as perguntas. Chegam antes ou depois ou nunca.

A rapariga da mesa ao lado é jovem, deve ter dezoito anos; vinte talvez, vá. Faz sinais desesperados ao rapaz com quem fala. Diz-lhe ama-me. Quero-te. Amo-te. Mas ele está intimidado e não pára de falar. Ela ri-se e inclina-se para a frente, para ele. Encontrou as perguntas. Ou pelo menos a pergunta: "quando é que este gajo me vai pegar na mão?" São bonitos. A rapariga, o sorriso e o amigo. É jovem. Tem tempo.

Nós os velhos é que não temos. Amalgamamos tudo. Misturamos o que foi e o que será, por exemplo. Tentamos destrinçar entre uma ausência presente e uma presença ausente. Entre um corpo e o desejo desse corpo. Vivemos numa urgência adiada.

Uma mescla, mais uma.

(In Café l'Antiquari, Palma de Mallorca, provavelmente o melhor sítio do mundo para se escrever disparates).

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.