O intervalo acabou. Regresso ao ringue. Passei a manhã a fazer anúncios, deixá-los na marina, percorrer as diferentes agências da Western Union em Cabo (exagero. Foram só duas. A média no México tem sido quatro). Depois sentei-me a beber uma cerveja num bar chamado Original Hooliganz Corner Bar. Os americanos não conseguem dar um nome a uma coisa qualquer que não inclua um adjectivo e um erro de ortografía.
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Cabo é quase como eu a imaginava, só que ainda mais desinteressante. Cafés, bares, restaurantes, lojas de roupa, lojas de souvenirs e productos para turistas, farmácias uns a seguir aos outros, todos iguais na decoração excessiva, na música demasiado alta, no serviço agressivo, insistente. A clientela é americana: obesa, mal vestida, feia (uma excepção gritante acaba de se sentar na mesa ao lado). A qual excepção integra um grupo de quatro senhoras que bebe shots de Tequila e tira fotografías. Numa mão o copo na outra a máquina ou o telefone.
As senhoras acabam as fotografias e os shots e vão-se embora. O Hooliganz fica vazio, mas apesar disso continua barulhento: à minha esquerda a aspiração da cozinha e por todo o lado a música, que talvez por a dona ser canadiana não está aos gritos.
Eu estou, mas não se ouvem.
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Já viajei assim. Fui backpacker avant la lettre. Ia para Itália gastar o dinheiro que tinha ganho a tirar neve dos telhados em La Chaux-de-Fonds, joguei à moedinha em Zadar e dormi no cockpit de um barco qualquer da marina, tive uma crise de febre e alucinações num albergue de juventude (como eran então designados os hostels) em La Spezia, passei quase dois meses em Atenas à espera que uma ferida cicatrizasse para poder viajar, quatro em Dunkerque a trabalhar na manutenção de uma frota de regatas e a ser feliz, dormi nas estações de comboios de Bern e Zürich e mais não sei quantas, amei uma rapariga improvável numa cidade improvável chamada Soleure, na Suíça, comi uma das melhores refeições da minha vida em Ancona, apanhei boleias de camionistas, de loucos e de pessoas perfeitamente normais, andei pelas ilhas da Croácia com uma mulher linda que tocava guitarra e tinha um facalhão no saco. Andava com uma mochila verde da qual gostava e que usei tanto como o actual saco Slam, do qual já mal se distingue a cor e me acompanha para onde quer que vá.
Talvez agora isto me chateie apenas por ter a impressão de que estou a comer comida fora de prazo. Verdade seja dita nunca liguei muito aos prazos de validade. Não passam de um mecanismo para fazer as pessoas deitar fora comida perfeitamente comestível. (Não estou com isto a dizer que me acho comestível, claro. Apenas que não se deve ligar muito aos prazos de validade).
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De maneira é assim. Viajo no tempo, tento lembrar-me das viagens todas que fiz ou sem dinheiro ou a poupá-lo até ficar mais fino do que uma daquelas folhas de plástico com as quais cobrimos a comida no frigorífico, tento impregnar-me o mais possível do que me rodeia porque no fundo é uma das coisas boas de estarmos onde estamos e não noutro sítio qualquer.
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Começo a adquirir uma aversão profunda aos bonés de baseball. Será que nascem com aquilo aparafusado à cabeça?
Enfim, essa não é a questão. A questão é: como vou sair daqui?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.