Toda a gente sabe que charlatão é uma contracção de Charles e então. Ao princípio, aliás, levava obrigatoriamente um ponto de interrogação: charlatão? Depois a multiplicação da espécie fê-lo cair.
Charles era um francês que andava pelas bibliotecas todas do país com o objectivo só raramente confessado (e mesmo assim apenas nas tabernas e sob o efeito de muito álcool) de engatar as bibliotecárias. Uma em cada biblioteca, pelo menos, explicava tarde e a más horas a uma assistência cuidadosamente seleccionada. Charles tinha o condão de envolver todos quantos o ouviam no seu projecto. A tal ponto que quando conseguia levar, por fim, uma das funcionárias da biblioteca local "ao castigo" (aspas porque o cito) todos os participantes nessas tardias e semi-clandestinas sessões tabernísticas se sentiam como se tivessem sido eles - individualmente, cada um - a cometer a proeza.
Prometia mundos e fundos às pequenas - às vezes não tão pequenas - que depois vinham à porta da igreja perguntar por ele. Charles, então?
(A vírgula foi a primeira a cair, o que não é de espantar. Tudo o que separa cai. Quero dizer: o desejo, não é? Como se fosse um lago do qual o monstro tivesse comido de mais, depressa de mais. Uma bibliotecária come-se devagar, como se fosse um livro. Aliás: é um livro e muito mais, é uma quantidade infinita de livros.
Charles então?
Poder-se-ia dizer o mesmo das bibliófilas, sonhava Charles por vezes em voz alta. Uma vez comi uma bibliófila. Ofereci-lhe um livro brasileiro, comi-a e depois ela comeu-me e deitou-me fora, cheio de marcas de dentadas, não chegou ao fim, enjoou. Parece. A audiência estava horrorizada, cheia de compaixão por Charles.
Charlentão?
Charles era francês, não o esqueçamos. Pronunciava Charlantan, as duas últimas sílabas muito nasaladas. Charlantan.
A verdade é que lá me deitou fora, a bibliófila e agora eu vingo-me nas bibliotecárias, explicava Charlatan. Têm mais sílabas.)
O parênteses de fecho está no lugar. Posso acabar aqui a história, se quiser. Uma história requer parênteses aos pares.
Sou um parêntese só, terminava Charles. A solidão, a terrível e traiçoeira solidão. Os olhos da audiência - restricta, selecta e atenta - enchiam-se de lágrimas. E pergunto-lhes: Quer ser o meu parêntese de fecho?
Charles era um francês que andava pelas bibliotecas todas do país com o objectivo só raramente confessado (e mesmo assim apenas nas tabernas e sob o efeito de muito álcool) de engatar as bibliotecárias. Uma em cada biblioteca, pelo menos, explicava tarde e a más horas a uma assistência cuidadosamente seleccionada. Charles tinha o condão de envolver todos quantos o ouviam no seu projecto. A tal ponto que quando conseguia levar, por fim, uma das funcionárias da biblioteca local "ao castigo" (aspas porque o cito) todos os participantes nessas tardias e semi-clandestinas sessões tabernísticas se sentiam como se tivessem sido eles - individualmente, cada um - a cometer a proeza.
Prometia mundos e fundos às pequenas - às vezes não tão pequenas - que depois vinham à porta da igreja perguntar por ele. Charles, então?
(A vírgula foi a primeira a cair, o que não é de espantar. Tudo o que separa cai. Quero dizer: o desejo, não é? Como se fosse um lago do qual o monstro tivesse comido de mais, depressa de mais. Uma bibliotecária come-se devagar, como se fosse um livro. Aliás: é um livro e muito mais, é uma quantidade infinita de livros.
Charles então?
Poder-se-ia dizer o mesmo das bibliófilas, sonhava Charles por vezes em voz alta. Uma vez comi uma bibliófila. Ofereci-lhe um livro brasileiro, comi-a e depois ela comeu-me e deitou-me fora, cheio de marcas de dentadas, não chegou ao fim, enjoou. Parece. A audiência estava horrorizada, cheia de compaixão por Charles.
Charlentão?
Charles era francês, não o esqueçamos. Pronunciava Charlantan, as duas últimas sílabas muito nasaladas. Charlantan.
A verdade é que lá me deitou fora, a bibliófila e agora eu vingo-me nas bibliotecárias, explicava Charlatan. Têm mais sílabas.)
O parênteses de fecho está no lugar. Posso acabar aqui a história, se quiser. Uma história requer parênteses aos pares.
Sou um parêntese só, terminava Charles. A solidão, a terrível e traiçoeira solidão. Os olhos da audiência - restricta, selecta e atenta - enchiam-se de lágrimas. E pergunto-lhes: Quer ser o meu parêntese de fecho?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.