29.3.18

Diário de Bordos - Port d'Andratx, Mallorca, Baleares, Espanha, 29-03-2018

Está uma noite tão calma, tão bonita. Fui jantar ao Romeo e depois beber um copo ao Acal. No meio fiz as compras para estes últimos dias. A noite está parada como uma alma saciada, um corpo depois do amor, um caçador antes da presa lhe chegar ao alcance da arma. O P. tem o convés arrumado pela primeira vez em muito tempo. Não há ponta de vento.

Port d'Andratx esteve cheio a abarrotar. Agora se calhar ainda está, não sei. Vim para bordo com a Segunda sinfonia de Mahler na cabeça. Queria ouvi-la, mataria para a ouvir, apesar de ainda faltarem dois dias para a Páscoa.

É Quinta-feira Santa, mas as pessoas nas esplanadas parecem felizes, riem-se e gozam o sol e a temperatura clemente. Não sou crente, longe disso, mas gosto mais da Páscoa do que do Natal (não é difícil, eu sei. Assim que de repente me ocorra não há período do ano que mais abomine do que o Natal).

A versão da Ressurreição que tenho gravada é de Bernstein, que a dá demasiado evidente, demasiado clara. Tinha outra, mas não me lembro de qual. Seja de quem for é boa. Nas tintas para saber se é de fulano ou beltrano. É isto que eu procuro: esta mistura de certeza e gratidão, como se afinal a certeza tivesse sido um risco.

Uma noite assim calma depois de um dia de trabalho - tirei a retranca e fiz meia dúzia de merdices; não sei se conta como dia. De trabalho conta de certeza, porque com a excepção do almoço e da sesta não parei, das oito da manhã às quase oito da noite - uma noite assim vence gratidão e vasta.

Só tenho a primeira metade da peça. A falta que uma boa loja de discos faz é indecente, obscena.

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A senhora da casa Vera, um dos dois shipchandlers de Port d'Andratx disse-me que detestava este ritmo de trabalho: dois meses durante os quais não tem tempo para atender os clientes com a atenção que lhes gosta de dar e dez sem fazer nada. Os restaurantes não podem dizer a mesma coisa. Hoje quase me senti mal no Romeo, de tanta gente. Tive de me vir embora a correr.

Nunca conseguirei perceber quem vai de férias para sítios onde há tanta ou mais gente do que naqueles de onde vêm.

Alemães na sua maioria; seguidos de franceses e ingleses. Os preços são exorbitantes. Dois copos de vinho medidos ao mililitro e uma tapa quinze euros. Puta que os pariu mai-los alemães.

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Domingo gostava de ir passear para a montanha, ir até Deia ou Valldemossa, mas sem transporte vou acabar na Mola. Pode ser que lá esteja a veterinária, tão linda e tão doce. Isso sim, seria uma ressurreição digna da Páscoa. 

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