10.11.18

O voo de uma grua encadeada

E se por acaso um dia voltares a ouvir-me dizer que te amo, não ligues. Isto não foi mais do que o voo rasante de uma grua sobre a água calma de um lago, de manhã cedo, à espera da primeira brisa do dia, a luz do sol nascente a traçar na água uma linha que em breve se desfará. A grua encadeada desvia-se do seu caminho por um breve instante, tu vês-lhe as plumas na hesitante claridade da hora, pensas que ela se dirige para ti, fascinada talvez pelo reflexo dourado do nascer do dia nos teus cabelos, pela esperança que nos teus olhos ela toma erradamente por uma certeza. Deixa-a voar, seguir o seu caminho, não lhe ligues, ela voltará ao rumo, o espelho da água em breve se quebrará, o raio de luz transformar-se-á numa parede, as plumas cairão levadas pelo vento.

Imagina um dia de inverno, frio mas ensolarado. Pões os óculos escuros e pensas "que contradição, este sol e tanto frio, que desvario" e lago, grua, aquela voz que um dia sonhaste ouvir dizer-te "Amo-te" desaparecem, desvanecem-se, diluem-se numa grande chávena de tempo.

Que alguém um dia beberá, quem sabe?

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