5.3.19

Não é? Disparates

"O dia está de chuva", diz-me o Sr. Coelho, da Ginja sem Rival. "O dia está de chuva", replico. "Hoje vão três em vez das duas habituais, Sr. Coelho, por favor", digo em voz alta. Continuo para mim: "A chuva dá-me para a melancolia, para a pieguice, soltam-se-me as mágoas, vá lá que são poucas, mas são profundas, sempre as mesmas seja Deus louvado, nada como lidar com os diabos que se conhecem, as pessoas, as multidões, a falta de gosto, a adesão cega e irreflectida às causas do dia, senhoras gordas com a barriga à vista (isto pode ser incluído no grupo geral "falta de gosto"), o barulho dos automóveis, a chuva, enfim." Curioso é que tudo isto se acompanha de cada vez mais tolerância, cada vez aceito mais as pessoas mas lhes tolero menos os defeitos, não sei como explicar que a indiferença não é a mesma coisa que tolerância, talvez seja, não sei, como se o importante fosse o que não se vê e não o que é, quando o que se mostra também conta, não há fronteira entre o visível e o invisível, somos um em tudo o que somos, parafraseando. Somos um e é tudo o que somos, graças a Deus, já assim é tão complicado, sermos hoje o que fomos ontem e seremos amanhã, sermos um por dentro e o mesmo por fora, apesar de sermos tão divisíveis, tão múltiplos, tão tantos. Aposto que esta mulher gorda com a barriga à mostra é gorda e feia por dentro também e tem a barriga à mostra lá dentro e se calhar o namorado até gosta, parece um toureiro português com cara de francês, destoa um pouco na Confeitaria Nacional onde vim comer um prego e pensar que devia ser pintor em vez de ser escritor a menos, claro, que fosse tão mau pintor como sou escritor, aí não valeria a pena e antes continuar a escrever, uma palavra é um milésimo de uma imagem portanto um disparate escrito é mil vezes menos do que o mesmo disparate pintado, não é?

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.