É tão fácil uma pessoa apaixonar-se por Palma como é a um homem enamorar-se de uma senhora que nunca viu mas lê todos os dias: não caímos pelo que vemos, mas pelo que pensamos quando a lemos.
Há uma pergunta universal, toda a gente que vem a Palma e por uma razão ou outra por aqui se demora a faz. Essa pergunta é: porque é que todos gostam de Palma? Que tem esta cidade de mágico, de tão atraente? É como se uma diva de cinema se deixasse aproximar e aceitasse um convite para um copo: está ali tão perto e tão linda, mas não se dá a conhecer. Olha-nos polidamente (isto é o que pensamos ao princípio. Depois percebemos que o olhar é de indiferença) e diz que sim.
Palma foi oficialmente criada no ano 123 A.C. por um general romano cujo apelido era Metelo, que também existe em Portugal. Talvez os laços entre Maiorca e o nosso país, agora escassos, sejam mais antigos do que se pensa... Antes dos romanos já cá tinham estado Fenícios, Vândalos, alguns povos pré-históricos de que restam poucos traços. Situada no centro do Mediterrâneo Ocidental, Palma foi desde sempre um lugar de passagem, de pilhagens, de comércio, de pirataria. Depois dos romanos vieram bizantinos, árabes – mudando várias vezes de mãos. Sempre foi uma presa querida por todos.
A primeira comunidade judaica chegou provavelmente no princípio do século V e por cá se manteve desde então – passando, claro pelas dificuldades de todos conhecidas entre o século XIV e o século XX, quando (em 1931) foram levantadas as últimas restrições legais contra os Chuetas, como eram – e ainda são – conhecidos os judeus maiorquinos.
Voltemos um pouco atrás: no século XIII a ilha foi conquistada por Jaime I de Aragão e desde aí nunca mais deixou de ser um domínio católico – apesar de ainda ter passado uns anos em mãos francesas. Uma história conturbada, no mínimo – e nem sequer falei muito dos piratas, uma constante na vida da cidade até ao século XIX.
É provavelmente por isto que os maiorquinos são tão reservados. Aqui, um estrangeiro é estrangeiro até pelo menos à terceira geração... Já viram passar de tudo e preferem não se misturar. Ou seja: na verdade há pelo menos duas cidades de Palma: a dos maiorquinos e a dos estrangeiros – sendo que esta se subdivide em três categorias: a dos turistas, a dos residentes e a dos yachties (tripulantes de iates de luxo, de que Palma é um dos pólos mundiais). É possível viver vinte anos em Palma e não falar uma palavra de espanhol (e menos ainda de maiorquino, o dialecto local, parente próximo do catalão). Cada uma destas categorias vive separadamente das outras: residentes não se dão com turistas, estes não se dão com ninguém – muitas vezes por falta de vontade, outras por falta de receptividade alheia – os maiorquinos não se dão com ninguém (de resto, também não se dão muito entre eles, as divisões sociais na ilha são enormes), os yachties flutuam nos bares da Lontja e não sabem sequer que Palma passa para lá da Rambla, os residentes estrangeiros pensam que estão no paraíso e ninguém no seu perfeito juízo faz muitas perguntas sobre o paraíso quando nele habita.
Curioso é: todos eles gostam de Palma. Porquê?
Em primeiro lugar, porque a cidade é linda, plácida e cálida, com uma arquitectura rica – há muito dinheiro há muito tempo – cafés e restaurantes para todos os gostos, galerias de arte, lojas de moda, livrarias (espanholas, inglesas, alemãs. A francesa fechou há um ano). Depois, porque devido à indiferença dos locais e dos diferentes grupos, cada um faz o que quer, vive como quer e ninguém se aborrece por isso. Acresce que a ilha é lindíssima: são duas ilhas numa só. A metade oeste é montanhosa – uma espécie de serra de Sintra com cem quilómetros e paralela ao mar em vez de perpendicular; a outra é uma planície que, se formos distraídos, nos faz perguntar em sobressalto se estamos no Alentejo e porque é que as casas são castanhas e altas em vez de brancas e baixas.
Palma tem tudo: é uma cidade vibrante, cosmopolita, onde cada um encontra o que procura, seja o que for. Tem uma ilha lindíssima à volta. Está a duas horas de voo da maior parte da Europa. Há uma e uma só coisa que Palma não tem: mulheres feias. Por um milagre qualquer da evolução, nesta cidade até as feias são bonitas. Suponho que o mesmo se passe com os homens, não sei. Só sei apreciar a beleza masculina se estiver esculpida em mármore.
É por isto que todos gostam de Palma: é uma casa que cada um mobila à sua maneira.
E Deus sabe se as divisões podem ser diferentes. Desde restaurantes e café locais como o bar Rita a tascas mexicanas como o 7 Machos, passando por restaurantes de luxo, cafés onde o vermute é uma religião, tascas colombianas, discotecas da moda, há de tudo em Palma. Quem prefere igrejas tem uma em cada esquina e, sobre a baía, a catedral, a segunda maior da Europa, construída entre 1229 e 1601. Como tudo em Maiorca a Catedral sofreu várias alterações de planos durante os três séculos que durou a construção. As últimas – que levantaram uma celeuma da qual ainda hoje se ouve falar – foram as obras de Gaudí, que deitou abaixo vários elementos e deixou um candelabro (e muito mais, bem bonito, perfeitamente integrado no edifício), antes de ser expulso da ilha. Os maiorquinos são conservadores, o bispo que lhe encomendou o trabalho e o protegia morreu e o arquitecto voltou para Barcelona, para a sua catedral, a dele e só dele.
Conheço poucos edifícios mais bonitos, mais comoventes do que La Seu, como é chamada em maiorquino. Quando se chega por mar a Palma a catedral vê-se ao longe; se for ao fim da tarde, o Sol poente ilumina-a com a luz alaranjada da hora e as pedras – alaranjadas elas também - parece estarem em fogo, grandioso incêndio, cântico iluminado e mudo à fé, às energias primitivas, fundamentais, aos arquétipos.
Palma é uma senhora burguesa que aos domingos se aperalta para ir à missa e nos recebe, distante e em fogo. Não nos liga muito, mas nós ligamo-nos a ela, para sempre.
Há uma pergunta universal, toda a gente que vem a Palma e por uma razão ou outra por aqui se demora a faz. Essa pergunta é: porque é que todos gostam de Palma? Que tem esta cidade de mágico, de tão atraente? É como se uma diva de cinema se deixasse aproximar e aceitasse um convite para um copo: está ali tão perto e tão linda, mas não se dá a conhecer. Olha-nos polidamente (isto é o que pensamos ao princípio. Depois percebemos que o olhar é de indiferença) e diz que sim.
Palma foi oficialmente criada no ano 123 A.C. por um general romano cujo apelido era Metelo, que também existe em Portugal. Talvez os laços entre Maiorca e o nosso país, agora escassos, sejam mais antigos do que se pensa... Antes dos romanos já cá tinham estado Fenícios, Vândalos, alguns povos pré-históricos de que restam poucos traços. Situada no centro do Mediterrâneo Ocidental, Palma foi desde sempre um lugar de passagem, de pilhagens, de comércio, de pirataria. Depois dos romanos vieram bizantinos, árabes – mudando várias vezes de mãos. Sempre foi uma presa querida por todos.
A primeira comunidade judaica chegou provavelmente no princípio do século V e por cá se manteve desde então – passando, claro pelas dificuldades de todos conhecidas entre o século XIV e o século XX, quando (em 1931) foram levantadas as últimas restrições legais contra os Chuetas, como eram – e ainda são – conhecidos os judeus maiorquinos.
Voltemos um pouco atrás: no século XIII a ilha foi conquistada por Jaime I de Aragão e desde aí nunca mais deixou de ser um domínio católico – apesar de ainda ter passado uns anos em mãos francesas. Uma história conturbada, no mínimo – e nem sequer falei muito dos piratas, uma constante na vida da cidade até ao século XIX.
É provavelmente por isto que os maiorquinos são tão reservados. Aqui, um estrangeiro é estrangeiro até pelo menos à terceira geração... Já viram passar de tudo e preferem não se misturar. Ou seja: na verdade há pelo menos duas cidades de Palma: a dos maiorquinos e a dos estrangeiros – sendo que esta se subdivide em três categorias: a dos turistas, a dos residentes e a dos yachties (tripulantes de iates de luxo, de que Palma é um dos pólos mundiais). É possível viver vinte anos em Palma e não falar uma palavra de espanhol (e menos ainda de maiorquino, o dialecto local, parente próximo do catalão). Cada uma destas categorias vive separadamente das outras: residentes não se dão com turistas, estes não se dão com ninguém – muitas vezes por falta de vontade, outras por falta de receptividade alheia – os maiorquinos não se dão com ninguém (de resto, também não se dão muito entre eles, as divisões sociais na ilha são enormes), os yachties flutuam nos bares da Lontja e não sabem sequer que Palma passa para lá da Rambla, os residentes estrangeiros pensam que estão no paraíso e ninguém no seu perfeito juízo faz muitas perguntas sobre o paraíso quando nele habita.
Curioso é: todos eles gostam de Palma. Porquê?
Em primeiro lugar, porque a cidade é linda, plácida e cálida, com uma arquitectura rica – há muito dinheiro há muito tempo – cafés e restaurantes para todos os gostos, galerias de arte, lojas de moda, livrarias (espanholas, inglesas, alemãs. A francesa fechou há um ano). Depois, porque devido à indiferença dos locais e dos diferentes grupos, cada um faz o que quer, vive como quer e ninguém se aborrece por isso. Acresce que a ilha é lindíssima: são duas ilhas numa só. A metade oeste é montanhosa – uma espécie de serra de Sintra com cem quilómetros e paralela ao mar em vez de perpendicular; a outra é uma planície que, se formos distraídos, nos faz perguntar em sobressalto se estamos no Alentejo e porque é que as casas são castanhas e altas em vez de brancas e baixas.
Palma tem tudo: é uma cidade vibrante, cosmopolita, onde cada um encontra o que procura, seja o que for. Tem uma ilha lindíssima à volta. Está a duas horas de voo da maior parte da Europa. Há uma e uma só coisa que Palma não tem: mulheres feias. Por um milagre qualquer da evolução, nesta cidade até as feias são bonitas. Suponho que o mesmo se passe com os homens, não sei. Só sei apreciar a beleza masculina se estiver esculpida em mármore.
É por isto que todos gostam de Palma: é uma casa que cada um mobila à sua maneira.
E Deus sabe se as divisões podem ser diferentes. Desde restaurantes e café locais como o bar Rita a tascas mexicanas como o 7 Machos, passando por restaurantes de luxo, cafés onde o vermute é uma religião, tascas colombianas, discotecas da moda, há de tudo em Palma. Quem prefere igrejas tem uma em cada esquina e, sobre a baía, a catedral, a segunda maior da Europa, construída entre 1229 e 1601. Como tudo em Maiorca a Catedral sofreu várias alterações de planos durante os três séculos que durou a construção. As últimas – que levantaram uma celeuma da qual ainda hoje se ouve falar – foram as obras de Gaudí, que deitou abaixo vários elementos e deixou um candelabro (e muito mais, bem bonito, perfeitamente integrado no edifício), antes de ser expulso da ilha. Os maiorquinos são conservadores, o bispo que lhe encomendou o trabalho e o protegia morreu e o arquitecto voltou para Barcelona, para a sua catedral, a dele e só dele.
Conheço poucos edifícios mais bonitos, mais comoventes do que La Seu, como é chamada em maiorquino. Quando se chega por mar a Palma a catedral vê-se ao longe; se for ao fim da tarde, o Sol poente ilumina-a com a luz alaranjada da hora e as pedras – alaranjadas elas também - parece estarem em fogo, grandioso incêndio, cântico iluminado e mudo à fé, às energias primitivas, fundamentais, aos arquétipos.
Palma é uma senhora burguesa que aos domingos se aperalta para ir à missa e nos recebe, distante e em fogo. Não nos liga muito, mas nós ligamo-nos a ela, para sempre.
...grande maldade a sua ao fazer, agora, esta apaixonada descrição de Palma!
ResponderEliminar(mas não a esquecerei para dias futuros)