15.5.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 15-05-2020

Ia deixar isto para o fim, mas não posso. Agora que a vi nua, tenho vontade de Palma. Nua no sentido de despida e não num qualquer outro sentido metafórico ou metafísico. Despida de gente, as ruas de rugas à mostra, estrias no ventre que nunca tinha visto. Acordo hoje em Palma, mãe de milhões de filhos e pergunto-lhe onde estão os teus filhos, que não os vejo? Onde estavam as tuas rugas, que nunca antes as vira? Porque mas escondeste?

Percorro-te Palma as ruas meio vazias, vejo-te a meio gás. Só quem tem esplanadas tem gente. Quem não tem, ou faz para levar ou não abriu sequer. O aquecimento global foi com a Greta ou pela greta, vá saber-se, mas não me importo. Se nos extremos prefiro o calor, na mediana gosto tanto de frio como de calor. Além de que este frio é tudo aquilo que há décadas se diz do frio: revigorante, exaltante, agradável. (Poderá talvez dizer-se que dezanove graus centígrados não é frio. Isso é para os absolutistas. Tudo é relativo.)

Assim vai o dia: Palma a meios, temperaturas em baixo e eu como os dois.

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Descobri um café que me faz os mojitos exactamente como eu gosto deles. Fica na praça Jaume qualquer coisa, mesmo à frente do hospital de bicicletas onde I. me dá vontade de o abanar cada vez que me diz o preço de qualquer coisa: se pedisse o dobro ainda seria barato. Não digo nada e pago o que ele me pede. Não por egoísmo mas porque ele já me explicou que me pede o que quer, etc. Abrevio, meio por vergonha meio por não achar o tema interessante. Ele sabe da vida dele. Uma vez perguntei-lhe se era maiorquino e se bem me lembro respondeu que sim. A estar a minha memória correcta, é um maiorquino adorável, daqueles que até agora só tenho visto nos livros.

Esta gente demora a despir, mas uma vez nua é muito bonita. A cidade é linda vestida e apaixonante nua, mas isto é coisa que tem de ser vista, digerida e revista.

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Comprei umas flores que aparentemente se chamam ranúnculos. São tão bonitas! A mesa de trabalho já era pequena mas a beleza amplia-a. Não há nada a que a beleza não mude as dimensões.

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Há quanto tempo não ouvia as Vésperas de Rachmaninov? Só há duas respostas: «estou a ouvi-las» e «demais».

Se se pudesse viajar no tempo, voltar ao dia em que as ouvi na catedral de Genebra dirigidas por Corboz estaria perto do topo da lista.

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«Dicen unos que una tropa de jinetes, otros la infantería,
y otros que una escuadra de navios, sobre la tierra
oscura és lo más bello; mas yo digo
que es lo que una ama.»

Safo, Poemas y testimonios, ed. Acantillado, Barcelona 2020. Ed. e trad. de Aurora Luque.

«Fiesta

He desplegado mi orfandade
sobre la mesa, como un mapa.
Dibujé un itinerario
hacia mi lugar al viento.
los que llegan no me encuentran.
Los que espero no existen.

Y he bebido licores furiosos
para transmutar los rostros
en un ángel, en vasos vacios.»

Alejandra Pizarnik, La extracción de la piedra de locura. Otros poemas.

Ed. Visor Libros, 2018 Madrid

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