16.5.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 16-05-2020

Já os secretos marinam em limão, alho e pimentón de la Vera. Os (ou será as?) patató salteiam em lume brando, cobertos de salsa e coentros picados. Vermute de Palma, pão com azeite da U., uns bocadinhos de bellota, sol, os versos de Alejandra Pizarnik para me lembrar de onde estou e onde poderia estar:

«Todo hace el amor con el silencio.

Me habián prometido un silencio como un fuego, una casa de silencio.

De pronto el templo es un circo y la luz un tambor.»

« Escucho resonar el agua que cae en mi sueño. Las palabras caen como el agua yo caigo [sic]. Dibujo en mis ojos la forma de mis ojos, nado en mis aguas, me digo mis silencios. Toda la noche espero que mi lenguaje logre configurarme. Y pienso en viento que viene a mí. Toda la noche he caminado bajo la lluvia desconocida. A mi me han dado un silencio lleno de formas y visiones (dices). Y corres desolada como el único pájaro en el viento.» 

(O primeiro poema chama-se Signos e o segundo L'obscurité des eaux e ambos vêm de La extracción de la piedra de la locura. Otros poemas.)

O vinho vai ser o que sobra do carmenère, chega bem para o almoço. Terça-feira tenho consulta marcada na dentista, os ranúnculos inclinam-se a tentar ver o que escrevo. A música é de Ballaké Sissoko mas em breve mudará para Toumani Diabaté. Fusão por fusão prefiro música e o momento pede música e não entretenimento, por muito agradável que seja.

Assim se aconchega uma manhã de sábado, uma vida, uma solidão.

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Acabo por decidir grelhar os secretos, em vez de os fritar. Vêm das Carns Coma, o talho do Mercat de l'Olivar que deve poder orgulhar-se de ter as maiores filas. Às vezes tenho pena do vizinho, que está quase sempre vazio e vou lá comprar qualquer coisa. Ontem não: a fila no Coma era pequena e queria ter a certeza de ter porco que não se desfaça em água.

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[Este não desfez.]

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Gostaria de escrever uma ode ao pimentón de la Vera. A primeira vez que comi pimentão fumado (não confundir com paprika, por favor, que é a forma húngara do pimentão) foi na Califórnia. Creio que a ideia vem da América Latina, não sei. Há um problema grave: depois desta (a de Vera) mais nenhuma parece comestível. São aproximações - as posteriores e as anteriores também.

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O Perez Cruz está aberto há dois dias. Algumas coisas só ganham com a espera.

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A vida é como aqueles armários para especiarias, com muitas gavetas. É raro estarem todas cheias ao mesmo tempo, não é?

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.