16.5.20

Vida - reedição

Alguns leitores deste blog - e leitoras, forçoso é reconhecê-lo - pensam que eu não tenho vida. Quero aqui deixar uma contestação formal - violenta, mas formal - dessa ideia. Não só tenho uma vida como até já tive várias.

Já fui, por exemplo, provador de vodka na Rússia e de enfermeiras na Namíbia; já participei em experiências sobre a resistência inata ao SIDA em Moçambique e sobre a cultura geral das jovens universitárias no ex-Zaire, hoje Congo e sempre desaire; já me embebedei com mezcal em Johannesburg - Jo'burg para os íntimos - e com cinema na Venezuela; conduzi automóveis em sítios onde nem cabras andariam; tive armas apontadas à cabeça e apaziguei assassinos com cigarros Marlboro; nadei com tubarões nos Açores (era só um, espero) e com amantes em várias praias.

Essa ideia de a vida ser um cheque ao fim do mês, pronto a ser gasto no Gambrinus ou no Pavilhão Chinês; em automóveis potentes ou livrarias fotogénicas; em mulheres bonitas ou restaurantes infames devia ser abandonada, rapidamente abandonada - ou pelo menos repensada.

Vida é aquilo que nos faz ir para a cama todos os dias e perguntar-nos se amanhã acordamos com prazer ou nos Prazeres; no mar da China, às mãos de rufias russos, cocaínomanos venezuelanos ou de um soldado burundês bêbado; nas tuas centenas de olhares, nos nossos milhares de despedidas.

(10 de Agosto de 2008)

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