1.11.20

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 01-11-2020

Com a Renascença, o homem libertou-se de Deus. Mas só com o Barroco aprendeu a brincar sem Ele. Galileo, o «pai da ciência moderna» nasceu em 1564 e morreu em 1642 - os últimos decénios de uma e os primeiros do outro. Aonde nos leva o Sars-CoV-2... 

Leva-me longe. Neste meio de cientistas, investigadores, professores universitários, psiquiatras, todos de alto coturno, em postos de responsabilidade, pessoas cultas, inteligentes, competentes nas suas áreas vejo quão longe estamos de uma saída para a histeria ambiente. Do fóbico que não sai de casa, anda de máscara vinte e quatro horas por dia, não deixa ninguém aproximar-se a menos de dois metros até à médica sintomática que vai jantar com a amiga, o leque de atitudes é vasto. Infelizmente, o «lado bom» do espectro (o que termina na tal médica, que estava com sintomas ligeiros - tanto podiam de ser de uma constipação como de uma gripe como de Covid - e achou que não ia fazer mal a ninguém, como de resto não fez) está em minoria. No dia seguinte telefonou à S. a dizer-lhe que tinha testado positivo e se queria que a incluísse nos seus contactos recentes. S. disse que não, claro. A última coisa que quer é ficar dez dias fechada em casa para nada. Como é que se consegue transformar uma doença que tem 99,98% de sobrevivência na maior crise desde a Segunda Guerra Mundial é intrigante e assustador. Não acredito em teorias da conspiração, em complots, no impacto dos raios gama na beleza das Margaridas, mas penso seriamente que há um motivo qualquer por detrás do chefe da OMS. Não sei se é a ideologia, se a massa (antes fosse), se é a incompetência (pouco provável, mas nunca se sabe). Sei que à comunicação social e governos há que juntar a OMS - enfim, o Tedros. Não é a agência toda. 

Claro que o primeiro lugar do pódio da desgraça é dos media. S. pediu-me para escrever uma carta à RTS, a televisão da Suíça-francesa. Enviamo-la amanhã. Vou fazer uma versão em português. Não sei se o Facebook conta como meio de luta, mas como forma de expressão conta de certeza (vai num post separado). 

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Ontem quando saímos de Genebra a caminho do Jura estava nevoeiro. Não era um nevoeiro muito denso, ainda havia alguma visibilidade, mas os objectos - árvores, casas - os veículos que nos chegava de um acesso à autoestrada pareciam diluídos. Lembrei-me das sopas de leite, pedaços de pão a flutuar numa taça de leite. Depois subimos - as Rasses ficam a mil e tal metros (mil cento e cinquenta, diz-me o Google, prestimoso como sempre) - a névoa desapareceu e foi substituída por esta luz cinzento clara do Outono que dá às cores um tom acinzentado mas simultaneamente as realça, não sei porque estranho fenómeno físico. Talvez seja só psíquico, mas seja o que for é bonito, sereno, relaxante e diabolicamente sedutor. O Jura é um senhora madura, reservada, que quer ser seduzida; os Alpes, uma jovem excitada cujo objectivo é mostrar as pernas e as mamas a todos os que lhe passam à frente. 

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Um dos meus desejos mais antigos está a concretizar-se: um pé em Portugal, outro na Suíça, outro no mar. Alma tripartida, vida inteira.

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