21.11.20

Pedras ao Diabo

"Eu avisei-te", disse-me ela no dia em que, sem me dizer mais nada, me deixou. Continuei sentado na sala, no cadeirão que herdei de um passeio qualquer. Relia uma história que devia ser enviada em breve para o editor e não dediquei muita atenção a uma coisa que estava para acontecer há meses. Gosto muito de O'Henry, mas prefiro histórias assim, que não terminam de repente nem com um sobressalto. Histórias que acabam como o rum na garrafa: previsivelmente, pouco a pouco, gole a gole. "Não me telefones, se precisares de mim", continuou. Amélia não me perdoava ser capaz de sofrer em silêncio. Era histriónica, teatral e exagerada. Não sei como nos demos tão bem tanto tempo. Um dia apareceu-nos uma rampa à frente, metemo-nos nela e agora chegamos ao fim. "Está bem", respondo. As letras à minha frente eram pedaços de carvão vindas com o vento e que aterraram na página. Não via patavina. "Liga-me tu, então."

Já estava no patamar quando me gritou: 

- Viver contigo é como atirar pedras ao Diabo. Voltam ainda mais quentes.

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