9.1.21

Sacrificar borregos?

Basicamente - isto é, de um modo básico - o problema consiste em compreender como se passa de um edifício teórico do qual o homem é o eixo principal, o pilar principal, para outro em que o homem se crê omnipotente. Até aqui, isto parece fácil: de ser o centro do universo a poder fazer do universo o que se quer - sobretudo com a ajuda do desenvolvimento tecnológico e científico - o caminho é uma brisa. Contudo, essa omnipotência não pode ser posta em causa,  muito menos por um vírus invisível, uma coisa nanométrica que morre por dá cá aquela palha e cuja única força vem da sua capacidade de saltar de um corpo para outro. Não deveria ser difícil admitir que não se é todo-poderoso. Há forças na natureza que não conseguimos controlar, dominar. Temos simplesmente de aprender a viver com elas e a protegermo-nos o melhor possível. Ninguém pensa acabar com o frio, com as vagas do mar ou com os raios ultravioleta: fazemos roupa quente e aquecimentos para as casas, muralhas para proteger os portos ou óculos escuros para os olhos e continuamos a nossa vida. Podíamos fazer a mesma coisa com este vírus: proteger os que estão em risco (se eles quiserem, isto é importante) - é um grupo perfeitamente identificado - tomar meia dúzia de precauções básicas e continuar com a vida tal como a conhecemos. Não: o objectivo já nem aplanar a curva é. É acabar com o vírus, esmagá-lo com uma "vacina", destrui-lo. Este vírus não é só uma doença: é uma ameaça ao nosso poder.

O processo é semelhante ao que se passa com o aquecimento global: seria muito mais inteligente adaptarmo-nos a ele, como a humanidade (e as outras espécies) têm feito ao longo de milénios. Em vez disso: é preciso acabar com ele, reverter o mundo ao statu quo ante (um estado que de resto só é mirífico na cabeça dos iluminados). 

A diferença entre o vírus e as alterações climáticas é que para estas ainda se pode admitir que há motivações políticas. Para aquele, obviamente, não há - por muito tentador e compreensível que seja pensar o contrário, tal a dimensão do absurdo.

Ou seja: há uma rampa inclinada do humanismo para esta crença (visivelmente errónea) nos nossos poderes. Há coisas que a humanidade não pode (ou ainda não pode) fazer. A questão que se põe é: porque é tão difícil admiti-lo? 

Roubámos o poder a Deus e pensámos que podíamos fazer o mesmo que Ele, sem nos apercebermos de que o poder não é o mesmo. Como aqueles ladrões que roubam uma jóia valiosíssima e quando a vão vender descobrem que é um falso, uma cópia sem valor. O homem não é Deus, apesar de estar agora no lugar onde Ele esteve tanto tempo; e não é capaz de admitir que foi enganado (ou se enganou a si próprio). Por isso, quer acabar com as alterações no clima (bem podiam começar por acabar com este frio) e "vencer" um vírus que lhe anda a dar baile há mais de um ano e a ganhar claramente a "guerra": quando se fizerem as contas ao que teremos pago por esta futilidade  e ao que teremos ganho, veremos o vírus largamente beneficitário. Vamos perder muito mais do que ele.

Num campo, já ganhou: ele continua livre e nós não. Preferimos prender-nos, sacrifício ritual nada diferente - em termos de resultados - do que obteríamos sacrificando borregos.

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