14.2.21

Serenidade

Da serenidade já só recordas o nome, o som da palavra quando a lês em voz alta, o tempo feliz em que se deitava e acordava contigo. Hoje é uma sombra clara, transparente, que mal consegues distinguir nas paredes do quarto. Onduleiam, vibram, mexem-se, não te dão a ver nada do que por elas perpassa. Tens sorte: ainda não te chegaram ao leito. Dão-te metade da paz a que tanto aspiras, metade dessa serenidade que agora tardas em  tocar. Beija-lhe o nome, acaricia-lhe cada letra, percorre-lhe com a memória as sílabas. Deixa-a vir a ti, liberta-a das paredes movediças que a oprimem e te asfixiam. Chama-a docemente, deixa-a fingir que não te ouve, que não é nada com ela. Por vezes, a meio da noite, se acordares pensa nela: o ar - o éter dos antigos - levar-lhe-á os teus pensamentos. Serenidade. Idade serena. Basta que seja ela a vir a ti, serenamente. Eternamente.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.