A fatiga começa a esbater-se, substituída pela depressão post partum. Isto é a entropia a fazer o seu trabalho: não houve entrada de energia, só houve saída. Duas sestas, uma pré e a outra pós-prandial, um almoço de Philadelphia steak (a versão americana do nosso prego) no Royal Hotel, o cinco estrelas onde consigo trocar dinheiro em cartão por dinheiro em notas a um preço que me parece elevado mas é o único que encontrei até agora (admitidamente, não procurei outro). Acessoriamente, tem sinal, coisa que o meu hotel não tem. O jantar foi no restaurante A Padeira Africana, um restaurante português cujo menu tem a variedade e originalidade dos de uma tasca de Lisboa mas que tem a vantagem de ter um bom vinho da casa, de o prego no prato ser correcto e a deprimente desvantagem de os empregados andarem de máscara. Ontem, no Dona Fernanda, o senhor pôs a coisa na cara quando me viu e substituíu-a por um sorriso daqui até à Lua quando lhe disse que não precisava daquilo para nada.
A arte da pirueta, da resposta rápida, da ironia não é tão valorizada aqui como no Zaire.
A pobreza num continente que tem o potencial deste é irritante, como é a do Brasil, por exemplo. Hoje comprei um livro de contos populares guineenses e duas cartas. Paguei uma pipa - não digo quanto por recato - após uma rápida barganha, que perdi, claro. Sou um teso, mas aos olhos do rapaz que vendia os livros na rua passo por milionário. O erro de que falava ontem é nos dois sentidos: eles vêem-nos como nós nos vemos quando aqui chegamos.
Em Moçambique, o meu Pai proibia-nos de pedir o que quer que fosse aos empregados, com a explicação - legítima - de que era ele quem os pagava e não nós, as crianças. Aprendi muito com Ele - quanto mais envelheço mais me apercebo disso e Lho agradeço - mas esta é uma das minhas mais queridas lições. Por muito que me tenha custado. É provavelmente ao meu Pai que devo este daltonismo, esta incapacidade de ver a cor da pele da pessoa com quem estou a falar. (O qual daltonismo ainda recentemente originou um episódio cocasse, de passagem seja dito.)
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Depois do jantar fui para o hotel, mas as duas sestas deram a sentir os seus efeitos e voltei a sair. Bebo caipirinhas no restaurante Papa Loca, uma espécie de reconstituição africana de um diner americano. O menu é chato como a cabeça de uma adolescente. Penso nos menus polifacetados dos restaurantes de Buja e digo-me "Pensas demais, rapaz. Tens demasiada carga no carrinho de mão da memória. As duas palavras chave são aqui e agora. Esquece todas as outras."
Obedeço.
PS - Uma brasileira duvidaria da ortodoxia destas caipirinhas. Eu aprecio-lhes a qualidade, esplêndida.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.