Não vinha ao bar Rita há muito tempo, há demasiado tempo. O Joan propôs-me callos, coisa de que não consigo gostar, mas que me fez pensar no C. M., que ando mortinho por trazer a Palma. Faço uma encomenda ao Rodrigo, que hoje está na cozinha: «Rodrigo, faz uma mistura que inclua croquetas de chipirones e outra coisa qualquer de que tu gostes e que não seja muito» (isto de não ser muito é um conceito difícil de explicar aqui em Palma. Normalmente pensam que em vez de ser para três pessoas é só para duas). Esta imensa vontade de partilhar Palma com os meus amigos é pervasiva, insinua-se pela mais pequena das frinchas, pela vasta saudade antecipada que já começo a sentir de Palma e na verdade não tem nada de especial: conheço-a de gingeira há mais anos do que aqueles que consigo contar, de mais sítios do que conseguiria nomear, de mais situações do que me apetece recordar.
Ch. é um argentino de Córdoba. Não gosta de porteños. Era um bocadinho hiper-activo demais para o meu gosto - o frenesim é inimigo da qualidade - mas já consegui acalmá-lo e a verdade é que o polimento dos metais tem estado a sair impecável. Vai ter um filho no princípio de Julho, mas agora teve um problema com o carro e objectivo do trabalho passou do bebé para a embraiagem. Estudou geologia na universidade, mas gosta demasiado do mar para se dedicar às pedras, explicou-me. Gostei do tom dele logo no primeiro telefonema e quando o encontrei não foi propriamente uma entrevista, foi uma confirmação. A senhora P. aprecia estas atenções todas, claro - apesar de não resistir à sua velha tentação de me pregar partidas, chatas, desagradáveis (e caras, mas isso é outra história).
Às vezes o P. parece-me uma daquelas raparigas que convidamos para jantar, nos diz sim e à última da hora arranja todos os pretextos para não vir ou pelo menos para atrasar o sacrifício. É precisa uma paciência de Job, uma propensão natural (isto é, herdada) para a diplomacia e a paciência, a certeza de que no fim ela nos vai ceder. (Isto é o que sinto quando estou bem disposto. Nos outros dias, sinto-me como um índio a pular à volta da fogueira, aos urros, com a mão a tapar intermitentemente a boca e dobrando alternadamente as pernas. Só que no centro do círculo, atado ao poste e em cima da fogueira estou eu, simultâneamente índio e vítima, palhaço e espectador.)
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Conversa com A., o nosso rigger. Pouco me importa o resultado - bastante positivo, na minha opinião; se bem parcial -. O fundamental foi este sentimento de comunhão, de duas pessoas que se entendem muito para lá das palavras porque ambas sabem do que estão a falar.
A minha experiência é limitada, admitidamente - se bem tenha feito muitas coisas, só tive um sentimento semelhante no Burundi, quando o representative me dizia: «Luís, encomenda os contentores e não me chateies»; ou quando todas as semanas saía da reunião de agências e vinha ao meu escritório dizer-me: «o grupo pediu uma vez mais para te transmitir os seus parabéns» (não eram todas. Eram só muitas). Isto não tem nada a ver com orgulho, arrogância ou «armalhice». Tem a ver com harmonia, sintonia, acordo, uma espécie de ligação básica aos arquétipos primevos, àquilo que transformou os macacos em homens, àquilo que faz dois homens saberem que podem confiar um no outro, que se compreendem um ao outro. Não obtive tudo o que queria pela simples razão que não queria tudo. Queria só uma parte, a parte essencial, como se estivéssemos a dividir despojos e cada um pudesse pudesse dizer: «fiquei com o mais importante».
Só que aqui não houve luta nenhuma, mas sim uma simples aceitação de que algumas coisas são como são e não se lhes pode tocar sob pena de ver o edifício ruir.
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Adenda: «só tive um sentimento semelhante no Burundi» é mentira. «On s'en fout. De toute façon on n'est pas d'ici, demain on s'en va.»
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.