25.7.21

I'm lucky, I can walk under ladders

O cansaço é um veneno e dormir o seu antídoto. Durmo o veneno todo destes útimos dias, a frustração de ver expectativas furadas, a expectativa dos dias felizes que me esperam e que tão ansiosamente espero. Durmo isso tudo, as palavras acumulam-se, zangam-se comigo, viram-me as costas. Bebo um copo do vinho comprado no monhé da esquina, uma Shiraz com cinquenta metros de aspas de cada lado. «Quero um vinho que custe no máximo cinco euros», disse ao senhor da loja. Apresentou-me dois. Do outro tinha a certeza de ser vinagre adocicado; escolhi este: a Shiraz sempre faz melhor vinagre do que a tempranillo ou coisa que o valha. Penso na sorte que tenho: «posso passar por baixo das escadas, não preciso de pulseiras, não tenho coelhos» (Joan Armatrading, I'm lucky, para quem quiser ouvir). Verdade seja dita: por vezes cai-me a escada, o pintor e o balde de tinta em cima. Mas isso é só às vezes. Nas outras, vou ao monhé comprar vinho a cinco euros a garrafa (ele deve comprá-lo a cinquenta cêntimos a caixa), venho para casa ouvir música, deixo de me chatear com as palavras - dissolvem-se bem em vinho, seja ele barato ou caro - confirmo que a maioria da música moderna me maça, por boa que seja, troco o Knopfler pelo Clapton - You're wonderful tonight nunca me maçará -  penso que que já me embebedei várias vezes no Basil's onde o Clapton tocou... Isto não é pensar, é divagar. Perco-me na política nacional, peço uma vez mais que me tirem o chip  português da mente, penso na sorte que é andar no mar e não ter de ouvir estas coisas, acabo por me refugiar na Hidegarde. O eterno é o melhor antídoto para tudo. E o mar, claro, que é a sua forma líquida. 

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Amanhã o P. espera-me cedo. Tenho quem me espere e tenho a quem esperar: I'm lucky, I can walk under ladders

(In memoriam L. M., que nem na morte teve sorte.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.