5.10.21

Epistemologia, rebanho e outras observações

Já dei uma volta ao mundo, navegando sempre para Oeste (e às vezes para Norte ou para Sul, mas comparativamente pouco). Também já tive Covid. Na altura - Fevereiro de 2020 - ainda se chamava gripe, mas dados os sintomas penso que posso crismá-la a posteriori com o nome da doença da moda. Ter dado a volta ao mundo e ter estado uma semana de cama com uma gripe devastadora não me fez ter a certeza de que a Terra é redonda - já a tinha antes -; igualmente, ter sobrevivido à Covid não me fez saber que é uma doença cuja perigosidade varia não só com a faixa etária, mas também com outros factores de risco - a obesidade, a depressão / bipolaridade, a diabetes, o estado cardio-vascular, etc. Isso soube-o depois, tal como só depois soube que o que tive foi Covid e não «gripe» (uso aspas em gripe porque penso que a Covid é uma forma dessa doença, tal como o paludismo cerebral é uma das formas do paludismo). Podemos aprender de várias formas. A experiência directa não é de longe o único caminho para o conhecimento - e nem sequer é suficiente, muitas vezes.

As pessoas que pensam que usar uma máscara, paralisar a economia de um país, õbedecer a regras absurdas, criar situações horríveis de solidão e sofrimento para os mais velhos e os mais novos, acabar com as liberdades mais elementares são medidas adequadas, eficazes e proporcionais ao perigo da Covid poderiam muito bem acreditar que a Terra é um cubo, se fossem suficientemente matraqueadas pelos media, pelos governos e depois pelos fabricantes de globos e cartas. Deitariam fora, como deitaram, séculos de conhecimento (no caso da virologia o plural é admitidamente exagerado: foi só um e meio), rendidas à histeria. 

Resisto à tentação de trocar o r de rendidas por um v: as pessoas não se venderam. Ofereceram-se. Deram-se de corpo e alma ao medo e à respectiva irracionalidade. O medo não é pessoal e intransmissível. É colectivo e transmissível. Um homem sozinho com medo não passa disso mesmo: um homem sozinho com medo. Junte-se-lhe uma multidão e ele tem um andaime por baixo, está protegido, não é o único. Tem razões para ter medo: a prova é o facto de não estar sozinho. Daqui vem o carácter proselitista do medo: precisa de números, de quantidade, de «toda a gente sabe». 

Os diferentes métodos que a epistemologia reconhece como válidos para a aquisição de conhecimento foram postos de lado: a infusão substitui-os a todos. Acreditar que a Terra é um cubo é validado não por observação, dedução ou teoria, mas pelo simples número de pessoas que acreditam que a Terra é um cubo.

Sou optimista e sei que isto não vai durar sempre, que não vai ser o «novo normal».  Mas sou pessimista e temo que a nossa civilização leve muito tempo a recuperar o ponto onde estava. A censura aos cientistas que não alinham na narrativa colectiva é mais do que inquietante. É aterradora.

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