Notícias do ecossistema
A manhã foi passada a trabalhar, se tanto é que se pode chamar trabalhar a esta espécie de tango que consiste em avançar dois passos milimétricos, recuar um quilométrico e dar três de dimensões variáveis para cada lado. Talvez possa, por ausência de outra denominação possível. «Bater punhetas a grilos» seria injusto e «pedalar na maionese» insuficiente. Talvez «um cântico à fé», como o cântico para Leibowitz da minha adolescência, que tanto me marcou. Ou «um cântico à teimosia». Mas enfim, sejamos justos: dei dois milimétricos passos na direcção do registo. Vamos ver quantos andarei para trás amanhã.
Almocei na Cantina, que só não está pior porque pior é impossível. Mas acolhem-me generosamente toda a manhã e acho que lhes devo um sacrifício de vez em quando. O Alberto continua a máquina de trabalho que conheço há cinco anos, quase seis; o outro imbecil continua o outro imbecil (não lhe recordo o nome, mas imbecil chega perfeitamente. Aposto que os pais não lhe deram esse nome mas fizeram mal). Depois seguiu-se o Correo - é uma dessas instituições que não muda, graças a Deus - a adega Morey, que confirmou a sua entrada no meu universo (prefere que lhe pague amanhã em dinheiro a hoje em plástico e tem palos Garrott), o Claudio - nada a dizer senão que consegue fazer da canela um sabor de que eu gosto, coisa que devia ir directamente para o livro Guinness dos Recordes, cum lauda. Seguiu-se o resto da cidade, passo a passo - ainda não tenho a bicicleta. O elevador da Plaza Mayor já está a funcionar, consegui entrar no La Rosa sem esperar, vim ao Jaume, fui comer um cachorro quente ao gajo da plaça Drassana (primeira e de longe não a última vez) e agora regresso à Cantina, onde o único inconveniente é a voz invasiva e imparável do imbecil. O vinho tinto está à boa temperatura e a um preço mais do que correcto. O vento caiu, amanhã tenho de novo Radu, o day worker que hoje deu uma limpeza notável ao P. (e de caminho me encharcou os lençóis, mas isso trata-se) e amanhã vai comigo deixar coisas ao Ben (isto de ir levar e trazer coisas a este armazém ficará para sempre na minha memória como o meu momento Charlie Chaplin). Apetece-me um banho de imersão de vermute e as vinte e uma propostas do La Rosa (literalmente) não me seduzem: ou são baratas e medíocres ou caras e não as conheço. O Jaume é um refúgio seguro: começo com um Rumbo e acabo com um Las Copas, sequência mais do que perfeita quando o rumo é justamente um ou dois copos.
Apercebo-me agora de que hoje faltou o outro imbecil, coisa que acho injusta: ficou este com a carga toda do dia.
Ou seja: a cidade está no seu lugar. Penso no P. e digo-me que está na altura de ter saudades dela, não de me regozijar porque estou de regresso.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.