17.10.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 18-10-2023

Regresso a Palma com alguns dos objectivos atingidos, outros nem por isso e o resto nem de perto nem de longe. Resisto a fazer uma contabilidade quantitativa ou qualitativa, a adicionar uns, meios e zeros, a atribuir mais peso à aquele e menos a este. Limito-me a conformar-me com o que não posso mudar e a lutar pelo que posso. Um marinheiro é a soma algébrica de todos os opostos e o resultado dessa soma só não é zero porque por baixo está o mar. O mar não tolera mentiras mas valida todas as verdades, mesmo as mais contraditórias. Basta serem verdadeiras e não efabulações ou fingimentos. Nestes objectivos há diferentes graus de prioridades, claro. E de dificuldades, de urgências. E de adversários, sobretudo. O marinheiro sabe que o mais difícil de gerir é a sua energia e é nisso que se concentra: ele é o elo mais fraco da cadeia e é precisamente saber-se fraco que faz dele o mais forte. 

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Quanto mais vou a Lisboa mais gosto daquela cidade e mais ela me exaspera. É como viver no meio de uma lixeira rodeado das mais belas obras de arte. O T. disse-me um dia que Genebra era demasiado limpa, mas que Lisboa está no outro extremo. Não lhe disse o que penso: não há demasiado limpo. Há limpeza e o resto. Só a sujidade tem graus. Lisboa está um nojo repelente. Mas depois tem um conjunto de coisas que se sobrepõem à repelência. Há uns anos fiz uma lista dessas coisas. Acho que chegou a altura de fazer outra.

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Almoço no Aurelio. O homem faz-me pensar no Road Runner mas com dezenas de coiotes em vez de um só. São os clientes, que sentados esperam a comida e a energia que ele lhes traz.

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Amanhã entra badanal. Não sei que dizer. Por um lado estou farto deste Verão que se eterniza como uma mulher bonita mas chata; por outro, não me apetece nada ver o «meu» P. a abanar como uma alma perdida antes de chegar ao Inferno.

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Almoço no Aurelio, jantar no Fidel, gelado no Claudio, rum no Jaume. Para um paisano como eu, Palma-a-calma é uma sucessão de nomes. Não o fosse, ou em vez de saloio fosse TO (é o acrónimo de Tour Operator, não a abreviatura de Totó, como à primeira vista se poderia pensar),  organizaria viagens para provar o Dulce de Leche do Claudio primeiro, depois o rum do Jaume, depois os canelones de rabo de touro do Fidel e por fim o orujo do Aurelio. A ordem dos factores é mais ou menos indiferente, desde que comecem pelo Dulce de Leche. Nunca na puta da vida - peso as palavras - comi um tão bom como este. É feito na Galicia. Isto é, a base é feita na Galicia. O gelado é do Claudio. Porra, devia ser proibido. Que fazem os arautos da igualdade quando mais precisamos deles? Por que raio de carga de água não encontro gelados que nem à sombra dos calcanhares deste chegam?

É que isto é como as cerejas: orujo, canelones, gelado de dulce de leche, rum Santísima Trindade. Pode argumentar-se que há horas entre o princípio e o fim (e às vezes entre cada uma das etapas) deste percurso.

Não há. Há um fio contínuo de sorte, sorte e sorte. E do seu complemento directo: gratidão, gratidão, gratidão. 

(Cont.)

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