14.1.24

Diário de Bordos - Port de plaisance Z'Abricots, Fort-de-France, Martinique, DOM-TOM França, 14-01-2024

Lavo, limpo, arrumo, selecciono: estou em plena fase de sedução do S. D. 

Sim, é disso que se trata. Navegar é um acto de amor e como todos os amores tem as suas fases: a sedução, o acto - que neste caso dura um bocadinho mais, não fiquem invejosas, senhoras - as carícias pós-acto (de que a lavagem do barco quando se chega a um porto é o melhor exemplo). Agora estou, por assim dizer, nos preliminares, tão importantes. É preciso saber aquilo de que ele (barco) gosta, onde se esconde e o que esconde, lavá-lo a fundo («A limpeza é o melhor amigo do skipper e o pior inimigo do shipchandler», como diz um ditado que acabo de inventar). Neste caso com uma data-limite, coisa que me irrita: terça-feira que vem devia estar tudo pronto. Uso propositadamente o imperfeito: é pouco provável que esteja. Os dias estão cada vez mais curtos ou eu cada vez mais cedo cansado. E depois uma embarcação é um buraco (de que «barco» é uma aproximação muito próxima, basta eliminar uma letra e mudar outra de lugar) não só de dinheiro mas também de trabalho: quanto mais se faz mais aparece por fazer. (Como nas grandes paixões, não é? É)

Hoje até o palerma do vizinho fez uma observação, à qual respondi polidamente: sim, há muito trabalho mas estou a chegar ao fim. Não lhe disse que estou a chegar ao fim da primeira fase. Ainda faltam duas.

(Exagero, Kalimero. Esta conseguirei acabar até terça.) 

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A prova de que isto está quase é que cada vez mais sinto necessidade de ir para as ilhas.

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Um dia terei de escolher entre dar uma casa aos meus livros e viver num barco. Temo esse dia e espero que venha longe.

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Aclimatar é uma forma de aculturação. Eu começo a estar aclimatado, por exemplo: agora o frio começa nos vinte e três graus. À noite já tenho de me cobrir. Felizmente só com um lençol e depois de apagar a ventoinha. Há pessoas que não gostam do calor. Para as perceber, tenho de me imaginar no Inverno em La Chaux-de-Fonds, em Nakhodka, em Genebra, no mar entre Atenas e Palma quando de lá saí em Janeiro e a temperatura no pontão era de menos um grau.

Infelizmente não funciona sempre: às vezes gosto do frio. Até me acontece ter saudades dele, imagine-se. Felizmente estas crises são curtas e passam depressa.

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Não sou grande adepto da homeopatia mas começo a entrever - enfim, a confirmar-lhe - um princípio: matar o mal com o mal. Quanto mais rum bebo menos açúcar tenho no sangue. Em meu favor, apresso-me a esclarecer que não bebo rum em doses homeopáticas.

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Tenho uma objecção contra o planteur: faz-me desaparecer todo o rum a uma velocidade siderante. Além disso, agora que descobri que é melhor se ficar a macerar dois ou três dias impõe-me este cruel dilema, que consiste em decidir se o bebo agora antes desse período ou se espero até ele estar pronto. Dilema esse bem conhecido de quem compra vinho às caixas, de resto: o vinho está no ponto quando se chega à última garrafa, as outras tendo sido bebidas «para provar». 

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