O homem fala sem parar. Cada vez tenho menos paciência para estes moinhos de palavras, que ademais têm a característica de debitar uma asneira (ou uma certeza, é a mesma coisa), a cada três sílabas. É hispanófono, mas mas não consigo identificar de onde. Venho jantar ao Cayali, o melhor dos maus restaurantes do Marin e não me apetece ouvir espanhol. Não me apetece ouvir nada, na verdade. O sacana continua a não me servir só accras ou boudin. Tenho de comprar uma porcaria qualquer para levar para casa. Continuo a comer cada vez menos, passe a idiossincrasia assíncrona. Ou coisa que o valha. O M. saberá desenvencilhar isto. Eu não sei. Penso simplesmente na história que comecei ontem e tanto gostaria de acabar. Penso em tudo o que não devo pensar, por causa da porra do espanhol atrás de mim. Não pára de falar. Aonde é que eles vão buscar tantas coisas para dizer? O resto do Cayali está maravilhoso, como sempre. O vento caiu, as mesas estão longe umas das outras, à minha frente só tenho uma bóia ou duas e dezenas de luzes de fundeadouro, picadas de mosquito na noite, pequenos túneis de mim para eles, ou deles para mim. Estamos aqui fundeados, cumprimos as regras, se calhar estamos a olhar para as luzes de terra como tu olhos para as nossas: com inveja.
O Cayali é um restaurante na praia. Literalmente na praia: a água está a cinco metros, se tanto, da minha mesa. De outras estará a três. O espanhol continua a falar, como se a maré enchesse. O restaurante é calmo. Depois de amanhã haverá música. Depois de amanhã eu serei outro. Há uma mulher à mesa dos hispanófonos, mas nem isso o cala.
Há um dinghy na praia. Outro chega agora, a remos e sem luzes. O espanhol fala. As bóias piscam, ora verde ora encarnado. O boudin era óptimo e o planteur mais do que aceitável, sobretudo depois de lhe ter dito que precisava de menos gelo e mais rum. O espanhol fala - já percebi que é espanhol - e eu faço o quê? Como um centésima parte do frango, peço ao homem outro planteur, peço-lhe para embalar o frango - que está óptimo, como sempre. Escrevo disparates enquanto tento não ouvir os da mesa ao lado, muito piores do que os meus.
Ou seja: que faço eu? Hoje fui ao hospital. Há menos de meia dúzia de pessoas neste mundo que se felicitarão por isso. Mudei de casa. Fui às compras com o T. e bebo planteurs sozinho no Cayali, também conhecido por La Paillote.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.