10.2.24

A beleza da linguagem e outros contos

Sou um péssimo tradutor; felizmente, detesto traduzir. (Se alguém vir uma ligação entre as duas coisas: está podre de razão.) Não é só uma questão de modéstia: custa-me destruir qualquer coisa que alguém se esforçou por fazer. É também um reconhecimento de incapacidade. Por exemplo:

«Ses doigts essayaient d'introduire dans ma bouche un minuscule bâtonnet cottoneux mais, prisonnier de la machine, je me contractais et refusais de l'aider. ... L'infirmière insistait et dit, sur un ton calme, courtois et posé, ferme mais doux:
- Je souhaite atteindre votre palais.
La précision et délicatesse de sa phrase ont attenué mes craintes. J'ai senti comme une détente, une décontraction, une minuscule libération de ma constante angoisse, ce qui a permis à l'infirmière d'effectuer sa tâche de nettoyage de ma gorge. Alors, je l'ai aimée.»

Para traduzir, como para escrever, há que ter uma distância entre nós e o papel (ou o computador, ou o que seja): como vou traduzir aquilo que sinto? Como traduzir a força, a importância capital da linguagem? «Desejo chegar ao seu palato»? Por amor de Deus! 

(O excerto vem de J'irais nager dans plus de riviéres, de Philippe Labro.)

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Não tenho a minha biblioteca ao alcance do braço e se me ponho a pensar «Qual é o melhor conto de todos os tempos?» foge-me logo a boca para a verdade: essa pergunta não faz sentido. Não há melhor conto nem todos os tempos. (O mesmo se aplica a livros, romances, discos, esculturas, fotografias, etc.)

Para responder a essa pergunta teria de reler os contos de Borges, as Nouvelles Orientales da Yourcenar, alguns contos do O'Henry (não todos, nem pouco mais ou menos), os contos do Nick Adams de Hemingway, Maupassant... Sei lá, um nunca mais acabar.

Há, porém, um conto que não me sai nunca da memória. Chama-se A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água. Não sei se é o melhor conto de todos os tempos, mas é daqueles que me acompanham todo o tempo.

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