19.6.24

Vozes, «menos do que um cão»

Uma diz-me: «vai para bordo». A outra, melíflua, recita-me poemas de Omar Khayyam:

«Cansado de interrogar, em vão, os homens e os livros,
eu quis interpelar a ânfora.
Pousei os meus lábios sobre os seus e murmurei:
“Para onde irei quando morrer?”
A ânfora respondeu: “Bebe na minha boca.
Bebe longamente. Jamais voltarás aqui”.»

Uma terceira, mais pragmática, diz-me: «Não uses o travão da frente! e usa o de trás com cuidado.» (Está a chover.)

Sou simultaneamente um rapazinho obediente, pragmático, sedento e tento obedecer às três. Ou seja: ziguezagueio por estas ruas com as mãos fora dos travões (a bicicleta saiu agora das do Ivo. Está uma maravilha). Vou ao Divino falar com o Dino mas antes disso passei pelo Trastienda só para ter a certeza de que ainda está frequentável (está) e acabo na Cantina.

«Dizem-me: “Não bebas mais, Khayyam!”.
Eu respondo: “Quando bebo, ouço o que me dizem as rosas, as túlipas e os jasmins.
Escuto mesmo aquilo que não pode dizer-me a minha bem-amada”.»

Tento não pensar nos cinco litros de vinho tinto que tenho a bordo mas não consigo. Isto é: penso. Só não penso é na merda do vinho, que comprei para fazer tinto de verano mas depois lembro-me de que no Pepe um tinto de verano custa dois euros... Bom, deixemos a matemática para outros planos.

Tenho vinho e tenho sorte: contratei o day worker para amanhã e hoje choveu uma destas abomináveis lluvias de barro que deixam tudo cagado e castanho.

«Na Primavera gosto de me sentar na orla de um campo florido. E quando uma rapariga me traz uma taça de vinho, não me importa nada a minha salvação. Se eu tivesse essa preocupação, valeria menos que um cão

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