8.10.24

Diário de Bordos - Lisboa, 08-10-2024

Só falta o mais difícil: escrever. Ou: só falta tudo - escrever.

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Veio um mendigo ter comigo. Agradeci-lhe a atenção mas declinei a sua proposta de lhe dar dinheiro. Nem sequer o que tenho no bolso pequeno. Acho indecente não dar nada aos mendigos. Dou quase sempre a quem toca música e às vezes a quem faz malabarismos nos semáforos. Não dou às «estátuas»: congela-se-me o braço só de os ver. Aos mendigos devia dar mas não dou. Ou só muito raramente. Não sou fundamentalista em nada. Sou um rapazinho flexível e adaptável às circunstâncias. 

Claro que se tivesse juízo não daria nada a ninguém. Não tenho e pouco me importo com isso. Convivo bem comigo e com as minhas faltas - de juízo e as outras, que são muitas. Só não cohabito pacificamente com o resto de mim, a outra metade, a que não é uma falha. 

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Graças à impossibilidade de usar a minha bicicleta tive de andar de transportes públicos. Apanhei táxis, Uber, metro, autocarros e eléctricos. De todos, o meu preferido é o metro porque me ajuda a atenuar os  arrebatos afectivos por Lisboa. Os equipamentos que não funcionam (escadas rolantes e elevadores) e os tempos de espera destroçam qualquer amor que se possa ter por esta cidade. Enfim, destroçar não é o termo. Atenuam, digamos assim. Mitigam.

De qualquer forma aplica-se a velha máxima de que amar alguém é amar-lhe os defeitos. Talvez seja por isso que o meu amor por Lisboa é tão vasto. Ruas esburacadas, lixo em tudo quanto é sítio, cheiro a mijo, má educação generalizada... Os motivos para amar Lisboa são mais do que muitos. Et pourtant je l'aime, ma Lisbonne.

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Hoje regresso a Palma, cidade que tem bastantes menos motivos para ser amada do que Lisboa - não tem buracos nas ruas, não cheira mal, etc. - e que talvez por isso amo tanto quanto amo Lisboa. Quase: falta-lhe a língua.

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