28.6.25

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 28-06-2025

À já longa lista de desaparecidos de Palma tenho agora de acrescentar um dos que me dói mais: o Antiquari fechou, chama-se Antigua Esquina, a decoração mudou, o pessoal mudou, a música mudou e a minha Palma ficou mais pobre. O Antigua Esquina é um lugar banal, com uma empregada cheia de poercings, decoração merdosa, taperia e mai-la pata que o pôs. Tudo muda, claro, eu sei. Só não percebo é por que raio de carga de água não muda para melhor. Enfim, percebo: a neguentropia exige mais energia do que a entropia.

A lista é grande:
- Ca na Chinchila;
- Sa Sifoneria;
- Lo Divino;
- Antiquari;
- Es 20 de Bonaire
- Ca la Seu, meu Deus, o Ca la Seu!
- ...e muitos mais.

Vou ter de me adaptar à cidade, mudar de poisos, mudar. Afinal a «minha» Palma sobreviveu a todas estas mortes. A mais sobreviverá.

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Janto de novo no Gustar, desta vez no exterior. Não tenho a certeza de preferir a praça ao interior. À minha esquerda dois casais nos sessentas (pelo menos eles. Elas parecem mais novas). O homem que está mais perto de mim veste umas bermudas azul celeste, camisa cor de rosa e um daqueles bonés com uma pala, mas com esta para trás. Presto um bocadinho de atenção e apercebo-me de que não são casais, não se conhecem. A senhora mais perto de mim está a explicar o que faz. Não ouvi. Pouco me interessa, ou nada. Além de que o esforço não valeria a pena. À minha direita uma mesa de franceses. Uma das senhoras tem um penteado um bocadinho esotérico, faz lembrar os anos cinquenta. A certa altura anuncia alto e bom tom "J'ai du caractère !" Como se não se visse, logo ao primeiro olhar.

Là dentro não há ninguém, é o espaço que o Tom e o Fidel reservam para quem não fez reservas. Além de que não preciso de ar livre. É coisa que não me falta.

Tento abstrair-me das mesas vizinhas. Penso no ceviche de gambas, em ter que me levantar daqui a seis horas... Eles são nórdicos, elas alemãs. Trouxe a máquina fotográfica para nada. Os franceses baixaram o volume e de qualquer forma estão à minha direita, o lado de que sou mais surdo. Este cozinheiro quando morrer vai para o céu dos cozinheiros. Só espero que não seja amanhã a véspera desse dia fatal. A conversa da mesa da esquerda irrita-me. Gostaria de ser surdo e ter um aparelho que me permitisse seleccionar o que oiço. O meu almoço foi uma arancina e um tiramisú no Hugo. As arancinas vêm da Sicília, explicou-me. Por isso são pequenas. São boas, Hugo, se bem não sejam excepcionais. Em Setembro estarei em Palermo. Com sorte passo lá o meu aniversário e se não for em Palermo será na ilha, a da da Goliarda e do Gattopardo. Sessenta e oito anos e dois netos, uma quantidade razoável de milhas náuticas percorridas, palavras escritas, corpos, cidades e outras coisas.

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Palma partilhada: o tiramisú com a L., o ceviche com o V. Palma é feita para se estar acompanhado, mesmo quando se está sozinho. 

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Os senhores da mesa ao lado trabalham para uma empresa multinacional que fabrica cotonetes. Vou-me embora e venho ao Claudio. É quase obrigatório não fazer este trajecto. Seria como para uma formiga querer fugir da fila. Continuo com vergonha de ir ao balcão lateral e faço bicha. Tornou-se impossível vir aqui sem ter de esperar. 

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