4.11.25

Diário de Bordos - No mar, ao largo de Lanzarote, 03 e 04-11-2025

03-11-2025

Estou quase a chegar; a Lua está quase cheia, o mar quase sem vagas, o vento quase a zeros, a noite quase sem frio. O CdC - uma mistura de camião TIR de quarenta toneladas (?) e uma residência de luxo - avança quase depressa. Para terminar esta série, eu estou quase ansioso por chegar, ver se ponho estas porcarias todas em ordem. Ou quase em ordem, vá lá. A única que não aceita quases é a parte da massa. É verdade que não é nenhuma fortuna mas o guito é meu e quero-o do meu lado. A perspectiva de ir para o Panamá parece-me cada vez mais longínqua - o que de resto calha bem porque a ideia que me levou a Caminha deu um ténue sinal de vida.

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Em números bastante redondos estou a cinquenta milhas do waypoint (cabo Ancones, se por acaso) e a setenta da marina Rubicon, aonde conto chegar por volta das oito ou nove da manhã. Três dias de motor e um de vela, mas este valeu por todos os outros: vinte nós pela popa quase arrasada, umas dezenas de milhas a mais porque não dava para ir em rumo directo, duas ou três refeições memoráveis - quem tem um bom deckhand tem tudo. Até os passageiros ficaram suportáveis (ele sempre foi, verdade seja dita).

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04-11-2025

Venho à ponte para a passagem do waypont e consequente mudança de rumo. É o género de coisas que gosto de ser eu a fazer. O deckhand é bom mas não está muito familiarizado com o Raymarine. Que estivesse...

Passamos à frente de Arrecife, a capital da ilha. É bom ver as luzes de terra mas uma boa aterragem já não tem o sabor que tinha dantes, quando se navegava com sextante e com estima. Então sim, chegar aonde queríamos era emocionante. Agora basta carregar em meia dúzia de botões e pronto, signore. Salvo avaria que nos devolva ao lugar de condutor (vade retro, Satanás) somos tanto passageiros como chauffeurs.

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O vento vem de terra e traz-lhe o cheiro. Cada uma tem o seu. Para mim, só há um: o do cabo da Roca quando se vem de norte e se guina para o Raso. Enfim, dois: o do Algarve. Os outros são ersatz de cheiro a terra. Com a possível excepção do da Córsega, anisado e limpo, à força de bombas nas construções que eles não querem. O método deixa a desejar mas resulta. Não é só o cheiro que delas beneficia. A vista também. 

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O vento caiu completamente. Dois nós, diz-me o simpático Ray. E dizem-me os olhos e a pele e as orelhas, talvez menos precisos e menos confortáveis do que aquela mistura de cabos eléctricos e processadores mas suficientes para o efeito. Continuo a navegar à antiga: a electrónica serve para confirmar o que os sentidos e o corpo me dizem. Excepto obviamente o GPS. Quem mo tira tira-me tudo. Saber instantânea, precisa e permanentemente aonde estou, a que velocidade e rumo vou e a que distância estou do porto ou do waypoint não tem preço. 

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