Estava uma vaga larga, alta e regular de oeste que agora foi substituída por um mar desordenado, desconchavado. O vento vai mudar. Vai entrar norte, diziam-me antes o ECMWF e o GFS e diz agora o mar. Só que a acreditar neste será mais cedo do que os modelos predizem. Acordo a meio da noite de um sono igual ao mar: agitado, chato e sobretudo frustante. É chato reconhecer que dormia melhor quando dormia no salão, vestido e encolhido para caber no sofá. Pego ao acaso um dos livros que comprei em La Linea, uma compilação de artigos e textos de Pasolini. O primeiro acaba assim: "A grandeza mas também as limitações da palavra é tornar serenos os sentimentos." (Traduzo à letra do espanhol e não gosto nada do resultado mas agora fica assim). Depois pego no telefone - obrigado, senhor Musk, já nem o mar me tira o FB - e vejo um texto de A. C. Z., uma senhora que não conheço senão do que dela leio - e de um almoço, há muito tempo - no qual fala de uma coisa que me interessa bastante, as diferentes personagens e inteligências que coabitam em nós (e de caminho me confirma que a senhora tem um tocante sentido de humor, qualidade sine qua non). Vai tudo para o mesmo caldeirão, a serenidade dos sentimentos - a frase é verdadeira mas em duas metades, como uma laranja cortada ao meio - o cérebro compartimentado que só o humor e às vezes o amor tornam compreensíveis, o mar aos bocados que agita esta cancela do céu na qual navego para Lanzarote (é o nome do bote), o sono, a inquietação de saber os clientes na ponte de quarto, a Lua em Crescente que não tarda está cheia, falta menos de meia dúzia de dias, o frio que não há maneira de se ir embora mas já começa a dar sinais.
Sentimentos serenos? Sim, mas só pela palavra.
(Para o V. P., com um abraço de iguais nas diferenças.)
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.