31.10.12

Alucinações

Às vezes um gajo lê coisas e parece que está a sonhar, ou alucinado. E que tal aumentarem o custo do estacionamento, para dissuadir as pessoas de utilizar o automóvel? E usar o estacionamento para gerir o tráfego e não como fonte de receita? As "famílias" poupariam bastante.

30.10.12

Vergonha na cara

Os temas do dia em Espanha são dois, estes dias: os separatismos basco e catalão e o resgate financeiro. Os espanhóis deviam lembrar-se disto, da próxima vez que se lembrarem de dizer que Gibraltar é deles.

"O desporto na Constituição"

O post está muito bom, como de resto é marca da casa; mas há duas ou três coisas que podem ser respondidas.

"Marinas às moscas"? Há. É um prodígio da vontade - quando se sabe a falta de lugares de amarração que vai por essa Europa fora é preciso querer muito para ter lugares disponíveis nas marinas portuguesas. Mas estão longe de ser todas. Aliás assim de repente só me ocorrem duas. As outras têm taxas de ocupação mais do que decentes, graças a Deus e a quem as gere.

"Construída nos Estaleiros de Viana do Castelo"? Não, ponto final. Infelizmente. para se chegar ali não chega o dinheiro; é preciso tempo também, muito tempo.

PS - "Feíssimo"? Por acaso não acho, mas prontes, isso são opiniães. E sou pouco fan do homem e nada das iCoisas.

29.10.12

Intuição é uma palavra que engana muito, às vezes. Outras não

Não é preciso ser grande espingarda em economia para perceber que este artigo não diz a verdade, ou a conta mal contada. Basta abrir os olhos e olhar em volta. Mas isto da intuição é coisa que engana muito, e mais vale combater a mentira com factos e com saber, como faz Bruno Faria Lopes aqui.

É pena que não haja em Portugal jornalismo sério - ou há, mas é pouco - e não se faça um programa igualmente com Bruno Faria Lopes - não desfazendo, claro; que o Presidente de Câmara de Montalegre lá deu uma lição de vida a quem pensa que as dívidas são para gerir, e que o desenvolvimento só se consegue à custa delas.

É que isto de dar voz sistematicamente ao mesmo lado do disco provoca cansaço no público.

28.10.12

História

Alguém me consegue explicar em que é que o PEC IV era diferente dos PEC I, II e III?

27.10.12

Pontuações

Ficou portanto estabelecido, após um longo e solitário passeio, duas noites e três sopas que, dois pontos:

Grande espaço em branco.

Depois voltei à habitual vida. É por isso que gosto de decisões, mesmo assim repentinas. Reticências.

Talvez depois de amanhã tome outra, ou confirme esta; talvez.  Parágrafo.

Por agora vou aceitando passiva e tranquilamente as decisões que os outros travessão ou as coisas travessão tomam por mim. Dois pontos: um Ricard numa esplanada; sopa de grão com espinafres; batatas salteadas em sobrasada; outro longo passeio. Ponto. Nenhuma destas foi uma decisão minha, vírgula, embora alguém exterior abre parênteses um marciano, por exemplo fecha parênteses o pudesse pensar legitimamente que sim foram.

O tempo, por exemplo. Pausa.

Tão pouco é uma decisão minha. Dez doze nós de vento, temperatura amena a tender para o fresco, nebulosidade fraca - cumulus e (poucos) stratocumulus. Nada disto é decisão minha, embora aprecie e beneficie deste tempo outonal, agradável, sentado numa esplanada a beber Ricard afagado pelo vento, pelo fraterno vento.

De onde estou não consigo ver se é norte sul leste ou oeste. Vejo pelas nuvens: sudoeste. O vento segue as ruas; tão pouco é decisão dele a direcção.

Sudoeste. Reticências. Ainda bem que não estou a caminho de Gibraltar. Ponto final.

Devia haver pontos iniciais,  pontos intermédios e pontos suspensos nas páginas, entre as palavras. Devia haver pontos em três dimensões, como a vida; vírgulas repentinas, como algumas decisões; e pontos de exclamação como cada olhar de alegria; pontos de espanto, como a sorte; travessões como o tempo entre um passo e outro; parênteses largos como a vida para arrumar as sopas, os Ricard, as batatas salteadas, o amor, a felicidade.

E o mar, que agora está entre parênteses, vírgula, reticências, ponto de interrogação.

Evolução

A ideologia matava aos milhões; a ganância rouba aos milhões. Ela por ela, prefiro a ganância.

(Via Delito.)

26.10.12

Simples

Tudo começou por causa do vinho tinto, um vinho bom, muito bom e simples. Cada garrafa custa dois euros e sessenta e cinco cêntimos, na loja do mercado onde compro as sobreasadas (e hoje comprei também um chouriço, excelente). É o senhor, ou ele e outros quem faz os enchidos, bons, simples; hoje vi que tinha vinho e resolvi comprar (dois euros e sessenta e cinco cêntimos é o triplo do preço do vinho mais barato do supermercado, mas a verdade é que para beber nunca comprei nada, excepto Cava, claro, a menos de três euros, portanto pensei na minha cabeça em voz baixa "estás a poupar 35 cêntimos e se o vinho for uma merda sempre servirá para a cozinha, não pode ser pior do que o que compras a um euro e meio no supermercado).

Mas o vinho não era uma merda, muito antes bem pelo contrário, é um vinho porreiro, bom, leve, fresco, simples. O ataque é melhor do que a saída, vigoroso, o que é frequente nestes vinhos; e o vinho é vinho, vinho só, simples, bom, o que é menos frequente.

De maneira passei o dia a pensar (acontece raramente, pensar; já as cacofonias são mais frequentes) na simplicidade. Fui cortar o cabelo ainda a pensar na simplicidade, à Peluqeria Bualde, a qual fica mesmo atrás de nossa casa e é uma barbearia simples, clássica, barata. Não sou muito bom a apreciar cortes de cabelo, ainda menos os meus, mas à primeira vista parece-me uma merda, contrariamente ao vinho.

Só me lembro de uma vez - não é uma imagem, é matemática - uma em que me levantei da cadeira do barbeiro e gostei de me ver ao espelho. É essa vez que agora me serve de padrão para avaliar os cortes de cabelo. Foi em Lisboa e a senhora chamava-se Zélia, se não me engano. Era alta, loira, muito bonita, linda; mas não é por isso que o corte ficou bem. É porque ela sabe cortar cabelos, ou então naquele dia estava inspirada.

A última vez antes desta foi em São Luís. O corte de cabelo mais rápido da minha vida: demorou menos de três minutos; cinco, vá. Deve ter ficado bom, porque só o cortei outra vez hoje, seis meses depois. Mas nada que se compare com o da Zélia. Não me lembro é se o corte dela foi simples. Ficou bem e foi barato, como o vinho de hoje.

O corte de hoje não; mas interessa-me pouco, para dizer a verdade. De qualquer forma não se encontra uma Zélia em cada esquina; estou habituado a ter cortes de cabelo medíocres (além de que é praticamente impossível transformar um velho troglodita como eu numa coisa visualmente apelativa, mas isso é outra história).

No Lizarrán a comida também é simples, boa e barata. E o ambiente é óptimo, festivo. No outro dia fui comer pintxos a um restaurante que não conhecia, chamado Origenes, em Santa Catalina. Eram uma maravilha, sobretudo o primeiro, de magret de cannard, e o último, de bacalhau confitado com tomate seco. Mas não eram simples, eram sofisticados, pensados, procurados.

Na verdade não há qualquer relação entre a simplicidade e a qualidade. São variáveis independentes. Nunca amei nenhuma mulher simples, por exemplo. Mas todas as que amei tinham qualidade, muita; e qualidades, claro.

A vida é uma coisa simples que nós passamos o tempo a tentar complicar. É por isso que a simplicidade é tão atraente (pelo menos a mim atrai, e muito - desde que não seja nas pessoas, é certo; e na música. Não gosto de música simples).

Mas gostei daquele vinho, tão simples, tão bom; gosto de algumas amizades - enfim, de todas: a amizade ou é simples ou não é amizade. Nunca tive amores simples; não sei como são. Já tentei várias vezes e nunca consegui. (Ainda bem.)

24.10.12

Romantismos III

Nem todos os romantismos são piegas.

Romantismos II

Para a série O romantismo de uns não é o romantismo de outros (acreditem se quiserem, mas este video está no tubo há pouco tempo).

Romantismos

O romantismo de uns não é o romantisnmo de outros.



(Um dia ouvi isto com uma letra em inglês e juro que é uma grande canção.)

Carta aberta a Palma de Maiorca

Minha querida Palma de Maiorca,

Sabes que te amo, e muito. Gostaria de ter nascido aqui, de ter conhecido as tuas ruas desde miúdo, de me ter banhado nas tuas águas e percorrido os teus montes a pé, de bicicleta, sozinho ou com o maior amor da minha vida.

Chega porém um momento em todos os amores, por mais amantes que os amantes sejam, no qual a separação é inevitável. Não por tua causa, ou minha, por causa de nada ou de ninguém. Simplesmente a ordem natural das coisas. Uma vida não é feita de alegrias só; contém também algumas separações (como se as separações fossem a única fonte da dor; não são, tu sabe-lo melhor do que ninguém).

Não és a única a dizer-me que o amor não chega. É preciso algo mais. Tens razão. O amor sem um bocadinho de dor, sem um bocadinho de distância, de separação, de - numa palavra - passado não existe, não faz sentido. O amor precisa de tempo (um sinónimo de passado, como sabes) para se reencontrar, encher ou perceber.

Uma vida, minha querida Palma, é feita de passados; e quem to diz é um amoroso de futuros, um gajo que pensa no futuro como alguns coxos na perna que perderam, o mar na praia na qual vai repousar, finalmente, a luz no dia que aí vem.

Mas eu tenho um passado em Antigua (tenho muitos em todo o lado, mas isso é outra história, agora não interessa); e Antigua chama-me como tu me chamaste há uns meses. Antigua chama-me; dói-me.

Não sei quanto tempo vai durar esta dor, ou este chamamento. Mas isso não é importante, pois não? O tempo é um falso curandeiro, dizia Malcolm Lowry, que percebia de curas e curandeiros como ninguém.

Eu acrescento: e uma falsa medida. O tempo não mede nada.  A única medida válida, Palma, é a intensidade. A verdade, se preferires.

E tu foste a minha verdade todos estes dias, estas semanas, estes meses. Antigua é a próxima verdade (que sorte saber o que aí vem, para onde vou. É raro).

II
Claro que podes dizer-me "gostas de Antigua porque entre mim e ela há o mar. É  mar que procuras, não Antigua; eu tenho mar também".

É verdade que preciso do mar. Tanto quanto pecisei de ti quando aqui cheguei. Sem a terra o mar é nada, sem o mar a terra não acaba nunca, é uma chatice sem fim. Sem o dia de que vale a noite, sem a noite para que serve o dia? Felicidade que não conheceu a dor é mulher que morre virgem, santo sem milagre, vinho sem copo.

III
Preciso de mar. Preciso de Antigua. Precisei de ti, Palma. Espero que compreendas e me desculpes. 

"Mudar a alma"

Palma de Maiorca, Baleares, Espanha, 24-10-2012

Pela primeira vez na vida achei uma bebida num bar demasiado grande. É preciso contextualizar, claro: a véspera tinha sido de chuva, aquela que nos Estados Unidos é verde e na Europa é cada vez menos. Abrigámo-nos em tudo quanto é sítio: pintxos no Lizarran, jantar na Taberna do Caracol (um endereço  a reter absolutamente) e - no meu caso, a metade pensante de mim estava cansada - noite no Bluesville. De modo no dia seguinte pedi um meio Ricard (sim, existe) no Antiquari para abrir o apetite, coitado, que estava um bocadinho fechado e a rapariga - uma mexicana muito bonita, suave, discreta - encheu-me um copo gigantesco daquilo. Deu para dois bem puxados, e como a jovem metade não gosta de pastis lá tive eu de me sacrificar, como sempre. 


Mas a verdade é que foi muito, dois Ricard antes de um almoço de depois da chuva.

Há uma relação entre a evolução e a bicicleta, pensei nisso o dia todo. Talvez apareça um dia uma coisa que se adapte melhor às deslocações urbanas do que a bicicleta - um Segway menos ficção científica, uns patins menos escultura viva ou brincadeira aplicada, qualquer coisa -; mas por enquanto a bicicleta parece-me o propósito da estação vertical. Temos duas pernas porque temos duas rodas e dois pedais para as complementar (e isto digo eu e não acredito em teleologias, sejam elas quais forem). É bom andar de bicicleta, quase tão bom quanto navegar.

O mini-restaurante Casa Julio ("Uma casa de comidas moderna", diz o título de um artigo de jornal que está emoldurado numa das paredes) confirmou: é um grande restaurante, no qual, após madura reflexão (retratada na fotografia abaixo) a jovem e pensante metade de mim concordou que a ideia de irmos a Portugal ver o nosso amigo Júlio não era má ideia, antes bem pelo contrário.


E eu lá bebi um copo de vinho tinto, para celebrar (antecipação dos muitos que vamos beber em Évora).


Hoje o passeio vai ser de carro. Também é bom.

23.10.12

Palma de Mallorca, Baleares, Espanha, 23-10-2012

«Esta cidade de bicicleta é outra coisa.» Tens razão. Gosto de coisas fáceis. Falmouth Harbour, por exemplo: chegar ao trabalho a pé em cinco minutos, chegar ao supermercado a pé em cinco minutos, chegar à praia a pé em cinco minutos, chegar ao bar a pé em cinco minutos, ter o mar no quintal. Palma de bicicleta é tão fácil que consegue fazer crescer a nossa simpatia por ela, coisa muito difícil. 

Mas mais difícil parecia ser conseguir alugar as bicicletas (pesadas, sem mudanças mas adequadas às ciclovias e estradas da cidade, muito planas e sem surpresas): primeiro, pediram-nos fotocópias dos documentos de identificação (o cubículo não tinha fotocopiadora); depois, as fotocópias não serviam, era preciso dois passaportes em vez de um passaporte e uma carta de condução -- eu prefiro deixar o passaporte em casa, não vá perdê-lo, de maneira que tive de ir buscá-lo a casa; à terceira foi de vez, mas demorou eras, porque a senhora não se decidia sobre que bicicletas nos entregar (uma delas, afinal, até tinha o cadeado avariado) e íamos ficando com o troco adiado, porque a senhora não o tinha àquela hora da manhã. Uma hora e meia depois pedalámos a caminho do Club de Mar, para fazer dockwalking (uma prática relativamente humilhante que consiste em ir de barco em barco pedir trabalho) e enfim, esta cidade de bicicleta é outra coisa. O frio outonal da manhã transformou-se rapidamente em calor. A viagem que nos levava quase uma hora a pé e uma eternidade imprevisível se esperássemos pelo autocarro fez-se em 15 minutos. Muitos barcos e conversas depois o desânimo desapareceu quase por completo: encontrámos conhecidos, enviámos CVs e tivemos alguns nãos, que são pelo menos mais certos que muitos talvez.

Fiquei a conhecer, ao almoço, a Casa Júlio onde decidimos, se a vida nos deixar, ir visitar o Júlio a Évora em breve. A comida estava uma delícia e os sorrisos dos empregados também. Não há nada melhor do que um restaurante sem turistas numa cidade turística, tirando, talvez, a casa de alguém que nos espera com a mesa posta.

À tarde, fizemos um passeio de bicicleta até ao Arenal. Uns oito quilómetros apenas, sempre à beira-mar, passando por praias e pueblos, novos de bicicleta, trotineta, cães de trela e velhos de bengala ou cadeira de rodas conversando com quem os cuidava. Os maiorquinos, tenho reparado, tratam bem os seus velhos. Dão-lhes carinho e atenção e, sobretudo, acompanham-nos na rua. Há muitos velhos sozinhos, mas os que estão acompanhados por gente mais nova são incomparavelmente mais do que os sozinhos, geralmente de aspecto mais teso que vulnerável. Gosto de uma terra que cuida dos seus velhos. Tenho saudades dos meus -- das minhas, agora, que os meus já estão, dizem, num lugar melhor.

O pôr-do-Sol na Baía de Palma é inesquecível como todos os outros. Ver algo de singular no mais banal e repetido dos fenómenos é como andar de bicicleta: nunca se desaprende.

22.10.12

Vida, um dia

Um dia passarei os dias deitado numa cadeira de repouso a beber whisky e a ouvir a 9ª de Bruckner, as Vésperas de Rachmaninov, o Bolero de Ravel (perdão pela banalidade), tudo pelo Gould, tudo da Hildegarde, Le Voyage Imaginaire de (ou melhor, por) Maria João Pires e mais meia dúzia de coisas que agora não me ocorrem e chamarei vida a isso. E será uma vida boa, seja Deus louvado.

Civilização

Porque é que os processos de independência da Escócia, da Catalunha e do País Basco são tão diferentes?

Lição

Começar por ensinar-te que ter feitio, carácter, personalidade ou o que quer que seja que uses como sinónimo de ser tem um preço; e que esse preço é elevado. Impossível saber quanto, mas é melhor sabê-lo de antemão. E estar preparado.

Continuar por dizer-te que há cumes e abismos; o que lhes está entre é desinteressante, quase inútil.

Terminar dizendo-te que tudo isto parece simples; mas foram necessários muitos anos, muitas vidas para o aprender. E todos os dias precisarás de rever a matéria dada.

(Dada é mentira.)

Palma, too



Ou, Ainda em Palma.

Lasciate ogni speranza, voi che entrate

"Queremos a nossa vida de volta"

Não sei exactamente a que vida se referem as pessoas que recentemente se uniram para manifestar publicamente "queremos a nossa vida de volta". Suponho que seja a vida antes da entrada de Portugal na União Europeia, porque se por desgraça o governo decidisse ouvi-las seria a essa que regressaríamos em menos de um fósforo.

Eu lembro-me dessa vida: de ter que trocar dinheiro a cada fronteira, de ter ido para França por Andorra porque era mais "fácil" (em Hendaia corria-se o sério risco de não se poder entrar e ser recambiado), de ter que comprar bilhetes de ida e volta para ir à casa de banho, de ter que explicar que não, não tinha papéis cada vez que queria trabalhar num lado qualquer e aceitar salários em consequência.

Também me lembro de quando em Portugal não havia supermercados (havia o Pão de Açúcar: pelos standards de hoje, e da época "lá fora" seriam pouco mais do que lojas de bairro); era preciso licença militar para sair do país; as casas de banho dos restaurantes eram infectas; levantar um cheque num banco demorava uma ou duas horas; as taxas de juro chegaram aos 36%; era proibido "exportar" divisas - o que significa que se passava a vida a comprá-las no mercado negro -; levava-se seis horas para ir de Lisboa ao Porto; havia um canal na televisão (e tínhamos que levar com o Vasco Gonçalves, mas isso é outra história).

Este Portugal, que conheci em Setembro de 1974 pouco mudou (excepto politicamente, claro) até 1986, data da entrada na então Comunidade Europeia. Já havíamos passado por duas falências (1977 e 1983); muita gente, entre a qual me incluía, pensou que com a "Europa" o desvaria acabaria.

Não acabou, infelizmente; e a experiência diz-me que provavelmente não acabará nunca. Mas mesmo assim eu não quero a minha vida de volta. Quero poder continuar a andar por onde muito bem me dá na telha, entrar em França, Reino Unido, Espanha, Suíça, Holanda qualquer que seja a quantidade de dinheiro que levo no bolso (é sempre muito pouco), trabalhar onde houver trabalho e não quero pagar comissões estúpidas a tipos cujo trabalho consiste em receber as minhas notas e dar-me outras.

Não quero voltar a ouvir o Mário Soares nem ganhar contos de réis. Quem quiser a sua antiga vida de volta pode ir para África ou deliciar-se com as patetices do velho (é quase a mesma coisa).

Adenda - dispensaria duas ou três coisas da "Europa"? Sim, sem dúvida; duas ou três.

20.10.12

Vacas sagradas

Gosto muito de vacas iconoclastas.  As sagradas chateiam-me.

19.10.12

Palma de Maiorca, Baleares, Espanha, 19-10-2012

Até que finalmente comecei a ouvir (enfim, a ler) nãos. Fiquei contente: um não é um sim que se enganou na porta; e muitos nãos fazem sim. Mas não há quantidade de nadas que dê qualquer coisa.

A vida em Palma-a-afável continua: procurar um embarque, passear (às vezes confundem-se; outras não), procurar um embarque, ler. Desta vez o dinheiro acabou-se antes de o trabalho chegar, mas como é só uma breve interrupção vamos aguentando com esses grandes pilares de uma alimentação económica que são massas, ovos e pão. Em breve voltaremos às tascas, aos pintxos, cañas, tapas, cava e vinho tinto. É como no mar: de vez em quando temos de rizar pano, pôr de capa e aguentar.

Depois desfazem-se os rizos, iça-se o pano todo e fala-se sobre o que aí vem, não sobre o que passou. E o que aí vem é bom: descobri que já não quero voltar para as Caraíbas. Quero ir para Antigua, é diferente.

Quero ir passear a English Harbour, beber copos no Mad Moongose, acordar no Reef Gardens






jantar no Rum Baba e (quando o rei faz anos ou as gorjetas forem boas) no Sun Ra. Aos domingos quero ir ouvir-te cantar a Pigeon Beach



comer uma pizza ao Road Runners


brincar com o Lager, um cão que assim de repente é parecidíssimo com um gato


e sobretudo beber uma quantidade infinita de rum no Skullduggery


a olhar para



Isto das raízes é uma treta. Podem plantar-se onde quisermos.

Cretinices, abismos

O poster que anda por aí a circular com um apelo a uma recepção a Angela Merkel é de uma cretinice tão grande, tão abissal, tão perfeita que se um dia houver um museu da cretinice ele figuraria de certeza logo na entrada, em lugar de destaque.

Diz o seguinte, sobre um fundo de Angela Merkel sorridente, em uniforme nazi e a fazer a saudação:

a) "Portugal, 12 de Novembro" - em fonte gótica, para que todos nos apercebamos bem do que se está a falar, não fosse escapar-nos;

b) "Vamos todos mandá-la à Merkel" - o jogo de palavras é fino, subtil, engraçadíssimo;

c) "Organiza-te" - dia 12 é uma segunda-feira e vai ser preciso faltar ao trabalho.

O melhor, claro, é a fotografia. A diferença entre Angela Merkel e um nazi é tão abissal como a cretinice do poster, pelo que até os cretinos que o fizeram e divulgam se devem aperceber dela. Posso estar enganado, mas algo me diz que essas pessoas saltariam indignadas - indignadíssimas - se alguém chamar escarumba a um preto, gordo a um obeso, maricas a um gay e puta a meia dúzia de senhoras que, coitadas. Mas chamar nazi a alguém que manifestamente não o é é permitido. Tal como ser palerma, de resto.

18.10.12

Palma de Maiorca, Baleares, Espanha, 18-10-2012

Uma pessoa volta a casa e só lhe apetece praguejar. O Bob Dylan da Costa de la Pols é insuportável. Começa, invariavelmente, com "Knocking on Heaven's Door" -- pela meneira como canta, não me surpreende nada que não o deixem entrar -- e termina com "Baby Can I Hold You Tonight", uma profanação violentíssima do original de Tracy Chapman. Só sabe três acordes e aprendeu-os mal. Consegue transformar a belíssima "Angie", dos Stones, numa atrocidade chamada "Angel". A prova de que Deus é injusto é ter posto "o pior músico de Espanha" (nas palavras de N., o nosso senhorio, músico a sério) numa das suas ruas mais bonitas, a nossa Costa de la Pols. Das outras provas não vale a pena falar, todos as conhecemos.

Os dias foram demasiados e demasiado longos para deles falar. O D. é um barco antigo, decente, com espaços amplos e confortáveis, mas a tripulação não se entende. Senti-me atirada a uma trincheira antes mesmo de ter pisado o convés para a entrevista: encontrei num bar de Palma uma jovem conhecida que tinha acabado de sair do D. a mal e me fez ter vontade de não chegar a ser contratada. Quando cheguei percebi que achava cada um dos indivíduos da tripulação uma criatura impecável, mas que entre eles o ambiente era de cortar ao machado. Não foi fácil ser interrompida enquanto polia copos de tinto para me virem falar mal de A ou B, sabendo que eu só iria ficar no máximo dois meses a bordo. Fiquei um. O anúncio era para dois meses, mas fizeram-me um contrato de um com a explicação "se o dono gostar de ti ficas". O tanas, apesar de o dono ter gostado de mim. Cumpri o contrato até ao fim, fiquei a conhecer Valleta e passei uma hora em Paris, onde comi une baguette de camembert avec un verre de rouge. Estou a tentar tornar-me uma mulher sofisticada, já só me falta falar francês, usar maquilhagem, saltos altos e conseguir ter opiniões sobre política internacional. Verve não me falta.

A entrada no porto de Malta ficou-me no coração. A estibordo estava Valleta, árabe e barroca, com uma luz que desafia a de Lisboa com dignidade. A bombordo Birgu, o nosso porto, uma língua de terra amuralhada, com edifícios marcados pela guerra (os ainda destruídos e os recuperados na mesma medida) e uma frente de mar turística, com um casino e vários restaurantes. Em vez do táxi aquático até Valleta (3€ de ida e outros tantos de volta) optei pelo autocarro (2,60€ um bilhete diário e uma vista mais profunda da ilha). Fui com O., a cozinheira russa que também me ficou no coração, não só pelo que cozinha mas pela maneira fascinante como pronuncia o meu nome (entre os vinte diminutivos diferentes, Tanitschka foi o que mais me agradou, vá lá saber-se porquê).

Malta tem alguns pretos. Não muitos, mas alguns. Comparado com Queluz, onde morava antes de me mudar para as Caraíbas (onde há alguns brancos), não tem pretos nenhuns, mas para O. tinha imensos. Dizia-me "Há tantos, que impressão!" e eu respondia-lhe «Por amor de Deus, tu vives na África do Sul». Respondeu-me que não vinha à Europa para ver pretos e eu demorei três dias a digerir a conversa e a tentar não pensar em O. como uma pessoa horrível. Afinal, para o povo dela os georgianos eram pretos, por terem sido escravos. Senti, pela primeira vez desde que ando nesta vida, um choque cultural. Os malteses impressionaram-me muito mais do que os pretos.

São todos relativamente feios e encardidos. Os narizes são os piores que alguma vez vi na vida (talvez o dono do D., judeu, tenha escolhido a ilha como base por causa dos narizes, não sei); as raparigas pintam-se demasiado, vestem-se pessimamente e são barulhentas, não têm graça nem discrição. Os mais bonitos são os velhotes e as velhotas, mas sempre dentro do desengraçado. Apesar de tudo, a gente é simpática, prestável, tem sentido de humor e inspira respeito: o mal que os malteses sofreram durante a II Guerra Mundial e o bem que, em contrapartida, isso fez à Europa é digno dessa admiração.

Valetta foi mais bombardeada num mês do que a Alemanha inteira durante a II Guerra Mundial, o que explica uma certa esquizofrenia arquitectónica de que ainda hoje padece -- sem na verdade padecer, porque algumas misturas são tão surpreendentes que não conseguimos decidir se as adoramos ou detestamos. A sua posição estratégica fez com que fosse ocupada e disputada desde sempre pelos povos mediterrâneos. Pisar-lhe o chão, ver-lhe a luz e a trovoada é outra prova de que Deus é injusto: há privilégios que deviam ser de todos.

Agora volto ao de sempre. Sei para onde quero ir mas não sei para onde vou. Procuro trabalho e paz (desde sempre, aliás). Para já, nem um nem outro. Mas se Deus é injusto, porque nos fez tão justos? N. acaba de atirar um balde de água anónimo ao Bob Dylan da Costa de la Pols, que o calou imediatamente. Antes já tinha tido a honestidade de lhe dizer "a tua música é uma vergonha" e "és insuportável". Como resposta, recebeu um "vai levar no...". Felizmente, a água lava quase tudo.

Uma proposta singular

E que tal "Um conjunto de sindicatos ... propôs"?

17.10.12

Un nom, pas plus qu'un nom

Não é todos os dias que cito o Jugular para dizer concordo inteiramente. Enfim, inteiramente não: seria preciso substituir um pequeníssimo pormenor no último parágrafo (um nome, só um nome). Mas tudo o resto está correcto, très correct (descontando o título do post, revela uma certa e habitual confusão, mas isso é irrelevante).

16.10.12

O país imaginário - 2

Este é o partido que convidou Judas para se candidatar à Câmara de Cascais?

O país imaginário

Ao mesmo tempo que isto acontece um idiota queixa-se de ver a sua dignidade diminuida por não andar num automóvel de luxo.

Esperemos que seja inútil, tanto vozear

"Ninguém faz nada"? Puxa, que falta de auto-consideração, tão rara. O homem ainda não parou de ladrar, a ele já se juntou a habitual matilha, e ninguém faz nada? O que é que ele quer mais? Cocktails molotov?