31.1.10

Retratos do metro

Tinha umas articulações finas, racées, realçadas pelas mangas da camisa e pelas pernas das calças, justíssimas. Quando andava olhava a direito e levantava muito os pés; parecia um puro-sangue árabe a fazer piaffés*.

Era linda.

(* - espero que os entendidos me perdoem a aproximação. Imaginem um piaffé em movimento, ou assim. Tentei com o passo espanhol, mas não funcionou.)

O azul e o verde

Puseste um bocadinho de verde numa vida onde, até te conhecer, só havia azul.

(Uma vida monocromática: o azul do mar, o azul do céu e o da tristeza, sempre.)

De que falamos quando falamos de Transat 6,5

Recapitulem

Aqui.

Príncipe Real

A visita de hoje ao jardim do Príncipe Real, organizada pelos Amigos do dito cujo, foi bastante instrutiva. Onde pensava haver apenas prepotência e desprezo há - também, e em doses consideráveis - incompetência. É importante mobilizarmo-nos para impedir as asneiras que ainda podem ser evitadas.

(Mais, e melhor, aqui.)

Bêbedos

Gosto de bêbedos; mas de bêbedos metódicos, organizados, frios. A bebedeira compulsiva é-me desagradável.

Noite; sinónimos

"Noite" e "frio" não são sinónimos, pois não?

Madrugada

Uma sorte. Sem ela seria noite, ainda.

30.1.10

Desperdícios

Foi preciso chegar aqui, cinco mil e tal posts, para falar de ti. Dizer o que foste: um olhar luminoso, uma alegria contagiosa, uma força irresistível. Foram precisas milhares de palavras, e ainda mais silêncios. São estes que não te perdôo: podemos perder uma (ou muitas) palavras, sem consequências de maior; mas desperdiçar um silêncio é criminoso.

O mulherio e os anjos

- As mulheres são falsas.
- E os homens a forma corpórea dos anjos jovens. Uns anjinhos.

Verdades atenuadas

J'ai beaucoup baisé; mais je n'ai guère été baisé, ce qui atténue en beaucoup la jouissance.

Olhares, ternura

Un regard féroce sur la tendresse; un regard tendre sur la férocité.

Preocupações; sapatos

Ninguém se preocupa tanto com a cor dos sapatos como o gajo que ontem não os tinha.

Fotografias de vela

Comovente fotografia de um clássico, aqui.

Finalmente

"Ernesto Bertarreli gagne au bluff face à Larry Ellison".

A America's Cup vai começar daqui a uma semana. É uma edição importante, a mais do que um título. Mais uma.

Definição

- Um quase-namoro é uma relação na qual se faz quase tudo o que se faz num namoro.
- E o que é que fica de fora?
- O mais importante.

29.1.10

Midlife state of mind

Em doses iguais: contente; feliz; melancólico, só. O saldo é positivo.

Notícias

Os jacintos abriram, pujantes, olorosos e tortos. Questão de fototropismo, talvez. Não sei. Gosto deles assim, deitados, a apontar para um lado qualquer, vá lá saber-se qual. As scilas são mais discretas, infinitamente. Uma delas mostra umas pontinhas azuis; outra dá vagos sinais de querer sair da casca, talvez, um dia. Pus os vasos no bordo do escritório, à minha frente: vejo as plantas todos os dias, todo o dia. Gosto muito do contraste que fazem com a estrutura industrial, pesada, do espaço.

Os jacintos são voluptuosos, libidinosos, exuberantes; gosto do cheiro, mas verdade seja dita que só de vez em quando o sinto. Olho para as scilas, comparo-as com eles e pergunto-me como conseguem duas coisas tão diferentes coabitar a escassos centímetros uma da outra. Ou melhor: porquê?

Para quê é fácil: para alegrar a vista e os dias que serão, e os que poderiam ter sido.

28.1.10

Holocausto

Ontem foi o dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Espero que esteja para breve a criação de um dia semelhante para as vítimas dos Gulags.

27.1.10

Aquecimento global

Atenção: vem aí mais uma vaga de aquecimento global, com mínimas de 5º e máximas de 11 e 12. Ainda por cima vai haver vento. Agasalhem-se: o aquecimento global não perdoa.

Excessivo

O excesso de frugalidade conta como frugalidade, ou como excesso?

26.1.10

Não verbal

Sou um especialista em não verbal. Passo os dias a ouvir "não!".

25.1.10

TGV - III

Demasiado ocupados a planear TGVs e assim os senhores da CP não podem tratar de assuntos comezinhos.

Um bom conselho

Deves beber sempre mais um whisky do que aquele que não suportas. Como no amor, de resto: se não foste um passo longe de mais nem perto estiveste.

Invisibilidade, ainda

Dissolver-se em whisky até ficar invisível, como uma pedra de gelo.

Serviço público - música ao vivo

O prazer simples, linear, fluido, puro, contagiante de ouvir boa música africana (enfim, PALOPiana com uma forte componente angolana). No O´Gillins, ao cais do Sodré. Pelo grupo Africa Beat, todos os domingos.

Vontade

Só me apetece escrever-te, e amar-te. São a mesma coisa, eu sei.

Retratos potenciais - invisibilidade

Era invisível: nem nu em plena Missa Papal o veríamos.

Era invisível: nem nu lhe conseguiríamos ver o que tinha para lá da pele.

Invisibilidade

Uma tensão permanente entre não se dar a ver; dar uma imagem falsa, ilusória, dele, ou dar-se como era. Optava pelas três, alternadamente. Mas enganava-se nos registos: como era onde não devia, como não era onde não queria.

Evolução

Deixei de ser triste. Agora sou apenas melancólico. A este ritmo, quando morrer serei feliz.

24.1.10

Sunnyland Slim



Lightnin' Hopkins

Howlin' Wolf

T-Bone Walker

Snooks Eaglin

Não há maneira de encontrar a interpretação de Snooks Eaglin de Careless Love. É uma injustiça. Fica este, que me parece ser do mesmo álbum, e é quase tão bom.

Vontades súbitas, súbitos silêncios

Esconder nas fissuras do silêncio a dolorosa e súbita vontade de silêncio.

23.1.10

Sabedoria

Cada vez me convenço mais de que há uma, e só uma, prova de sabedoria na vida: ser capaz de conviver com a estupidez.

O verdadeiro problema

Claro que o verdadeiro problema não é este. O cerne da questão é saber quantos portugueses - aspirem ou não à "civilização" - estão dispostos a pagar-lhe os custos. Penso que poucos - se assim não fosse já a teríamos cá também, como os outros.

PS - sobre este tema, nada como ver uma série de posts que o Menos um Carro publicou recentemente, sob o título "Lisboa é um parque de estacionamento".

Férias

Hoje vou de férias: durmo a noite toda, seguida, inteira, de uma vez só. Amanhã acordo tarde; serão as melhores férias dos últimos tempos.

A favor de um, contra os outros

O segundo sapato fica mais bem engraxado do que o primeiro; e menos do que o terceiro.

Cartas, lixo

Alguém com talento devia escrever a história do pobre escrevedor de cartas, coitado, que tanto queria escrevê-las e não tinha a quem. Por isso começou uma série a que chamou "Cartas para o Caixote" e começavam "Meu Querido caixote do lixo".

Coitado. Quando tinha para cima de uma centena delas foi ao correio pôr-lhes selos (era parte inalienável do gozo) e deitou-as fora, nos contentores de lixo que ficam à frente da pastelaria e ao lado dos correios.

Logo a seguir veio a senhora do rés-do-chão, mãe de oito crianças, dois cães e um gato despejar (literalmente: era adepta da reciclagem e reaproveitava os sacos de lixo "pelo menos três vezes") os sacos da semana; pelo que as cartas ficaram perdidas para sempre.

O nosso escrevedor de cartas ficou triste: tinha a secreta esperança de que a senhora da pastelaria o visse e fosse resgatar as cartas - aliás, um bocadinho nessa expectativa até as tinha escrito sem palavrões nem asneiras de maior (e com bastos elogios aos queques integrais e aos pastéis de nata do senhor Ameeiro, o dono). Nada disso (ainda bem: que diria a senhora da pastelaria, se visse cartas começadas por "Meu Querido caixote do lixo"?)

Resignado, começou uma nova série, a que chamou "Cartas par o Ar" - se tudo, desta vez, corresse bem lê-las-ia na rádio.

Ganhar ou perder

Prefiro ganhar a perder, e perder a empatar.

Guia da vida doméstica para uso das novas gerações

Um dos pontos mais difíceis de gerir pelos jovens casais é o do orçamento doméstico. É sempre um tema de discussões (mesmo se se espera que eles tenham tido tempo de avaliar as respectivas confluências ou divergências durante o período de namoro).

Há que estabelecer regras antecipadas, normas fáceis de seguir. Por exemplo: a ordem das despesas, as por assim dizer prioridades - não gosto muito deste termo, demasiado tecnicista; mas é o que há.

O meu conselho nesta área é simples: o dinheiro, sobretudo quando é muito pouco ou pouco, deve começar por ser gasto nas coisas totalmente irracionais; depois, em coisas das quais se pode prescindir, mas com algum prejuízo para o conforto e o bem estar mental dos cônjuges, juntos ou individualmente; em terceiro lugar, naquilo que é absolutamente imprescindível, como a renda de casa, os transportes (passe social ou "dístico de morador" - este sendo muito mais barato do que aquele) e alimentação.

Não respeitar esta norma leva a uma vida infeliz e cheia de dificuldades materiais.

22.1.10

Fotografia

Aqui, uma breve explicação do que é a fotografia.

(Via Albergue Espanhol)

Egos e corações

Muitas maleitas de amor se evitariam se as pessoas aprendessem a distinguir entre egos e corações. Enfim, os homens; que as mulheres há milénios o fazem, e bem.

21.1.10

Jornalistas - bis

Hoje ouvi um "jornalista" português na rádio e não consegui impedir-me de pensar no post do Pedro Correia que já uma vez aqui mencionei.

O tema era a saída de um tipo qualquer do Sporting - devia ser um treinador, ou alguém importante. Não interessa. Depois de elaborar longamente sobre o tal senhor - esteve 70 dias no clube, apenas, se a memória me não falha - mencionou os jogadores presentes no treino (não percebi qual a relação, mas isso deve ser culpa minha). E começou: o [nome de jogador] chegou às nove horas e cinquenta e oito minutos; depois chegou o [nome de jogador] às dez horas e quatorze minutos; Liedson (deste lembro-me) entrou às dez horas e vinte e três minutos, de óculos escuros.

Aqui desliguei a rádio; mas não deixei de pensar que o senhor que falava se tinha fartado de fazer perguntas. Ao relógio. Também não percebi a relação entre as horas de chegada dos jogadores ao minuto e os óculos escuros, mas isso também deve ser culpa minha. [Adenda: parece que levou um murro]

20.1.10

Totós e glaciares

Ele há totós que vão alegrar-se muito com esta notícia (e com as outras do mesmo teor que não tardarão a desabar por aí, aposto). Talvez comecem a sentir-se menos totós, sei lá. Ou que nem sempre totó é quem se pensa. Ou assim.

"Previsão do fim próximo dos glaciares dos Himalaias está errada"

(Post com dedicatória.)

Insatisfação

Talvez - se houver um psicólogo na sala por favor confirme-mo - porque a minha mãe, chinesa (de Pequim), tivesse uns seios minúsculos, quase invisíveis eu sempre sonhei com mulheres de seios pequenos, lisos, "grão de milho".

Por razões várias - ou porque, na realidade, não dou grande importância aos atributos físicos das pessoas - a grande maioria das mulheres que até hoje amei, e generosa ou insensatamente retribuíram (admitidamente poucas) tinha seios grandes. O mais pequeno que me calhou na grande rifa dos afectos foi um par de maminhas daquelas que enchem a mão de um homem honesto; mas pequenos, pequenos nunca tinha tido, até começar a namorar com a Carmo.

Perguntar-me-ão decerto "porquê?" - se gosto de mulheres com seios pequenos, tudo o que teria a fazer seria escolhê-las assim. Mas as coisas não são tão simples: como já disse, não ligo muito aos atributos físicos, no fundo. Não são eles que definem uma pessoa - eu, por exemplo, debaixo de traços chineses (o meu pai era de Macau) sou mais português do que muitos portugueses. Imaginem que uma mulher me dizia "não gosto de chineses" - eu responder-lhe-ia, apropriadamente, "não sou chinês; sou português". (Mais português aliás do que muitos portugueses: eu vim para cá porque quis - ou pelo menos fiquei, quando os meus pais regressaram ao oriente, depois da Revolução dos Cravos).

Enfim, seja pelo que for, não ligo muito às características físicas das pessoas. Mas quando a Carmo cedeu - finalmente!, é preciso dizê-lo - à minha insistência e às minhas toscas declarações uma coisa que me satisfez foram os seus seios, pequenos, minúsculos, invisíveis como as duas últimas lentilhas no magnífico prato da sua pele. Que bom era acariciá-los e vê-los crescer como uma ilha após uma erupção vulcânica (isto não é exagero: um dia vi um documentário sobre a erupção dos Capelinhos e o que me veio à mente foram os seios da Carmo - e ela a fazer amor, também, mas não importa).

Por isso agora, ao fim de sete anos de uma relação feliz, fluida e límpida com ela estou triste e zangado comigo próprio, desorientado e desnorteado: então não é que hoje me surpreendo a sonhar com seios grandes?

Auto-post

Este blog - convém recordá-lo de vez em quando - é umbiguista, mas não autobiográfico.

19.1.10

Escorreganço

Se a legislação nacional permitir e a moda pega, acho melhor a Câmara Municipal de Lisboa começar a fazer provisões.

"Marselha indemniza mulher que escorregou em fezes"

(Via Jugular. Afinal não é só sobre o tempo).

Publicidade desinteressada

Os cursos de vela da Amar o Mar estão quase a começar - enfim, pelo menos as saídas "test drive". Qualquer pessoa se pode inscrever - é gratuito e um mail é suficiente - para duas saídas de teste. Os cursos propriamente ditos começarão lá para meados de Fevereiro, se não chover muito e o anticiclone dos Açores não andar na vadiagem.

Os cursos vão custar 440 euros, terão 12 aulas doze de 4 horas cada e um programa estudado para que no fim os alunos sejam capaz de executar as manobras básicas, e estejam preparados para receber conhecimentos mais aprofundados em todas as áreas da navegação: navegação, meteorologia, mecânica, saúde, cozinha, legislação náutica ("Código da Estrada"), afinação de velas, vocabulário náutico, etc.

O barco (um Dufour 325 chamado "PAPAMILHAS 2") está na Doca do Espanhol - ou Doca de Alcântara, ou Doca dos Contentores (longe vá o agoiro). As saídas de teste são ao sábado às 10h da manhã.

Podem enviar um mail para Lserpa@amaromar.com com perguntas e sugestões.


Altruísmo paternal

Com os meus metro e sessenta, quase cem quilos e uma careca desconsolada sei que não sou atractivo. Não me importo muito. Mas não abandono a ideia de me casar com uma mulher alta, magra, bonita e com um curso superior - isto também é importante - daqueles a sério: medicina, direito, engenharia (não quero cá palhaçadas tipo sociologia, psicologia ou gestão de eventos em dias de chuva).

Não é por mim. É pelos meus filhos (quando os tiver, claro): com uma mãe ignara e feia como o pai, que probabilidades de vencer teriam eles na vida?

Só metade?

Tempos

Estivemos casados 10 anos, e foi um choque descobrir que não a conhecia, no fundo.

Nunca a vi, mas conheço-a como se a tivesse feito.

18.1.10

Uma pergunta

Pergunto a mim mesmo - e já agora aproveito e pergunto a todos - quantas das pessoas que tanto se mobilizam pelo Haiti dão uma esmola ao pobre ali da esquina?

Olha

Olha que isto de eu escrever coisas depois de falar contigo não significa nada, claro. Mesmo nada - excepto talvez que me aborreço no restaurante indiano das Portas de Sto. Antão; tão injustamente, porque eles são tão simpáticos e a comida tão razoável e o tempo tão ameno depois destes gélidos dias e os ingleses da mesa à frente tão engraçados e o vendedor de bugigangas cada vez mais cómico e tudo e assim; e apesar disso aborreço-me, vê lá tu; e vai daí começo a escrever coisas. Ou as coisas a escreverem-se a si próprias, maldita tendência delas: não sabem ficar caladas as coisas, muito menos quanto mais o devem ficar, porque isto de falar só as estraga. E escrever ainda mais.

É como escrever-te agora: és tu que te escreves, não sou eu. Eu nem sei quem tu és, vê lá. Ou se existes, sequer. Não sei nada se não o que vejo: uma mesa de ingleses a embebedarem-se alegre e metodicamente, como deve ser; uma rua sem ti, no prolongamento de um dia sem ti; umas palavras no prolongamento disto tudo, que sem ti pouco mais é do que nada.

Assim é que é

Assim só desperdiçamos 1359 milhões. Uma gota de água. Fora as derrapagens, claro - algo me diz que vão ser ainda maiores do que o habitual.

"Rave poupou 900 milhões no projecto TGV".

Normalidades

É perfeitamente normal e compreensível: leva tempo arranjar uma explicação para o inexplicável. Ou melhor: uma explicação aceitável.

"Governo pede mais tempo para responder sobre adjudicação de computadores à JP Sá Couto"

Partes

Vamos, então, por partes; pode ser?

Sem ti isto não é a parte de um todo; contigo seria um todo sem partes. Sem ti, a parte de mim que está aqui não é parte de um todo: é a parte de uma parte; contigo, seria o todo de um todo. Um dia sem ti não é parte de uma vida; contigo, uma vida não tem dias: cada dia é uma vida. Tal como a noite, de resto: sem ti, ela não é apenas a parte do dia sem sol; é nada.

Jornalistas

Há dias Pedro Correia escreveu um salutar post no Delito de Opinião sobre o poder dos jornalistas, que me fez pensar porque se demitiram os jornalistas desse simples dever a que o Pedro chama "fazer perguntas" e eu, mais desajeitadamente , "informar" (mais aqui e aqui).

Parece-me que há duas forças antagónicas, ou que se exercem alternadamente: a partilha do quarto do poder pelo quarto poder; e a "luta" - pela "verdade", contra a injustiça, pelo bem contra o mal. Duas coisas que dispensam os jornalistas dessa actividade comezinha e simples que é "fazer perguntas".

Estimativas eram piores

""Diário de Notícias"
Glaciares derretem menos do que o previsto. Glaciares do Alasca perderam 42 quilómetros por ano desde 1962. Estimativas eram piores.
"


Vai ser interessante, quando chegarmos à fase do "eu nunca disse que...", ou "as minhas palavras forma deturpadas / estão foram do contexto", etc. etc.

Um amor profundo

Ele gostava tanto, mas tanto tanto dela que, quando faziam amor, era nela que pensava.

Um país moderno, arejado, onde o mérito conta

Há dias foi o inefável Dr. Mário Soares a sustentar a boa nomeação de alguém para uma tarefa pública indo-lhe buscar o avô e o pai; hoje é Emídio Rangel que acusa um jornalista de ter sido paquete. Isto diz mais sobre o país que temos, e em que conta tem o mérito, do que mil prémios à "Inovação".

(Via Blasfémias)

17.1.10

Chuva

Il pleût tout sec.

Grace, haven

If I should fall from grace I wish it be yours, and not anyone else's; and if I should shout for help I wish you be whom I cry to.

A ler, como sempre, mais do que nunca

Alberto Gonçalves, no DN.

Domingo cultural

Tarde de cultura, a de hoje: exposição Alma Africana, no Pátio da Galé; e o Mude.

A primeira tem muitas peças (e boas, é preciso dizê-lo). Infelizmente as explicações são poucas, incompletas, insuficientes.

Já o MUDE é o contrário: poucas peças, bem explicadas. Vi pela primeira vez o meu armário favorito, da Droog, e fiquei a saber que o museu tem a lâmpada idem (links later, se calhar).

A visita ao Pátio da Galé serviu para ver que não há deuses na arte africana: há homens e mulheres, antepassados, animais, tarefas - mas de deuses nem sombra. E pensei o mesmo que numa exposição de arte árabe que vi no Louvre: é interessante pôr as peças lado a lado com peças da arte ocidental das mesmas datas: levamos indubitavelmente alguns séculos de avanço (ou melhor: seria, porque a esmagadora maioria das peças não tem qualquer indicação de datas).

16.1.10

Lisboa, fácil

I
Hoje estive com ela na Praça das Flores; e era de longe ela a mais bonita das flores todas da Praça.

II
Amanhã talvez ela venha comigo ao jardim do Príncipe Real. É o único sítio para uma Princesa.

III
Vimo-nos pela última vez na Avenida da Liberdade: cada um ia para a sua, ou para o seu lado dela.

IV
Costumávamos encontrar-nos em Santos. Nenhum de nós o era.

Leveza

Tomava erradamente por leviandade a falsa leveza com que ela se passeava pelas coisas. Não era falsa, e não era leviandade.

Estímulo positivo

- Amas-me?
- Talvez.

Mais tarde

Posteriormente, muito depois de a ter conhecido e amado, ele comparava-a àqueles molhos picantes chineses que só se sentem depois de serem deglutidos.

Retratos potenciais

Ele era muito mais seduzido do que sedutor.

15.1.10

Os suíços, esse povo de marinheiros





Daqui, claro.

Sonny Rollins

"I'm an old cowhand", o tema de abertura de uma das obras-primas de Sonny Rollins (eu sei. Mas ele tem muitas, não posso fazer nada).

14.1.10

Chic desleixado

Infelizmente perdi o blog que me levou a este artigo, crucial para percebermos o nosso tempo. E sobretudo confirmarmos que as modas chegam a Portugal cada vez mais depressa.

«The death of ‘shabby chic’»

(Si tant est que c'est une mode)

Vámonos a la playa, amor

O problema é que anunciar isto assim mesmo no pino do verão já seria um disparate. Com o tempo que temos é patético. Enfim, pelo menos mostra que temos um digno sucessor de Mário Lino nas Obras Públicas, o que já não é mau de todo.

«"Lisboa pode transformar-se na praia de Madrid", diz ministro»

Ainda vamos ter um TGV para o Algarve, também. Se possível, antes de a auto-estrada saturar.

Apostar

"Apostar" é o verbo mais utilizado pelos jornalistas portugueses quando estão a descrever uma actividade que um não jornalista designaria por "tentar", "escolher", "investir em", "optar por", "ver uma oportunidade em", "acreditar". Enfim, pior ainda: é cansativa, desesperadamente o único.

Zürich, 1980 (?)





Paris, 2003 (?)





E ainda há muito a revelar

Amanhã:


Sábado:


Domingo:

Chuva

Nada como a chuva para revelar as nossas fragilidades todas.

13.1.10

Um computador jovem

E que não sabe o que perde.

«O meu pc não aceita a palavra "balzaquiana"».

Audácia

A Santa Casa da Misericórdia tem uma campanha intitulada "A Sorte protege os Audazes" cujo tema é uma volta ao mundo do NRP "SAGRES". Alguém devia dizer à agência que fez a campanha para a SCM que há mais audácia num dia de navegação do Francisco Lobato do que em toda a volta ao mundo da Sagres.

Estreito de Messina dos afectos

Conheço-o desde os quinze anos. Passou a vida afectiva toda a esbarrar ora contra a Scilla dos sentimentos, ora contra a Charybdis dos sentidos. Não sei se alguma vez conseguiu passar para lá do Estreito.

Uma palavra só

I
Todas as mamas são iguais. A única coisa que as distingue umas das outras é uma palavra, uma palavra só.

II
Aquela agitação toda não faz sentido, querida, se não contiver uma palavra, uma palavra só.


Adenda: o título foi modificado, por obscuras razões.

Hard feelings

Things never really worked between her and me: there were no hard feelings.

12.1.10

Desencontros

Ele dizia a todas as mulheres que as amava, por hábito, preguiça ou esperança de vir realmente a amá-las. Um dia elas começaram a acreditar, mas ele não se percebeu até ser demasiado tarde.

Depois?

Eric Rohmer

Tempo

Não percebo porque falar do tempo é tão desvalorizado. Às vezes até encontramos forma de estar de acordo com as pessoas mais inesperadas.

Ora bolas!

Ela por ela, sempre preferia o aquecimento.

"30 Years of Global Cooling Are Coming, Leading Scientist Says"

Post incompleto

Há uma dimensão estética, em algumas verdades, que é mais importante do que todas as outras. São verdades que nos ofuscam, como o clarão de um farol há muito aguardado; um farol que sabemos estar ali, mas que não descansamos enquanto não avistamos.

11.1.10

Força

Não está tudo dito - nunca está, nem estará, felizmente. Mas anda lá muito perto.

Confusão

Acho que é desta que vou deixar de confundir as Claras.

Tadinho

Jantares a Ler por Aí



Informações pormenorizadas aqui.

Inscrições limitadas.

Uma organização Ler Por Aí (e minha, ou assim).

10.1.10

Por, e como, onde andam os nossos impostos

Bin Laden

Numa coisa compreendo Bin Laden: se eu não pudesse beber também andava aí pelas ruas a pôr bombas em tudo quanto é sítio.

9.1.10

Pergunta

Só há uma pergunta, agora. E não é "porquê?"

Conforto

A última coisa que procuro numa mulher é conforto.

Infelicidade

Há poucas coisas mais desagradáveis do que uma infelicidade que entorna [qui déverse].

Sorriso

Desculpa: não gosto de sorrisos. Prefiro olhares.

Aquecimento global

Seria possível encomendar um bocadinho de aquecimento global, por favor? Se não tiver global não faz mal, traga local.

Dylan Thomas - Elegy

"Too proud to die; broken and blind he died
The darkest way, and did not turn away,
A cold kind man brave in his narrow pride

On that darkest day, Oh, forever may
He lie lightly, at last, on the last, crossed
Hill, under the grass, in love, and there grow

Young among the long flocks, and never lie lost
Or still all the numberless days of his death, ...

...
"

Definição

Sedução é o conjunto de manobras que transforma a ideia "eu quero ir para a cama contigo" numa frase audível e explícita dita pela pessoa a quem essa ideia se refere: "eu quero ir para a cama contigo". Isto mantendo válido ao longo de todo o processo o objectivo inicial. Não parece, mas é o mais difícil.

(Claro que "ir para a cama" é redutor, etc. Uma sinédoque, por assim dizer.)

Uso geral

"Tens um fellatio à espera, querida", dizia por vezes o SMS; ou: "uma erecção soberba convida-te para a usares como entenderes". Noutros dias o teor era diferente: "queres partilhar uma calma, reconfortante, imóvel noite de sono?". A escolha era dela: sim ou não. Eu tinha uma ligeira, quase imperceptível atracção pelas felações; ela preferia as erecções "para uso geral", como lhes chamava. E ambos apreciávamos igualmente o sono que tantas vezes partilhávamos, e nos unia tanto como tudo o mais.

8.1.10

As melhores chamuças de Lisboa

É muito difícil ter a certeza do que quer que seja - veja-se a Marilyn Monroe, coitada, que morreu tão cedo; ou o sol, que durante tantos anos toda a gente pensava andar à volta da terra e de repente lá veio um tipo dizer que não, afinal é a terra que anda à volta dele. Ter a certeza do que quer que seja é na melhor das hipóteses uma perda de tempo, e na pior perigoso, mortalmente perigoso.

Por isso fui duas vezes à Ali Kebab House, na Rua dos Fanqueiros, provar as chamuças que Lourenço Viegas diz serem as melhores de Lisboa. E um dia irei também ao India Gate, por causa deste artigo no i.

Mas é claro que vou ao India Gate com uma dúvida: serão aquelas chamuças melhores do que as do restaurante Haweli, na Graça? Ou as da D. Mónica no Club Sportivo de Pedrouços, em Belém? Ou do que as do quiosque "Os Primos", na extremidade nascente da Doca do Espanhol? Não tenho a certeza.

Mas de uma coisa tenho: é que nenhuma destas chamuças chega sequer ao calcanhar das que eu comia em Quelimane, e até já uma vez fiz cá em Lisboa, mas só uma vez, porque o trabalho que aquilo dá é mortal, como as certezas. Mas se um dia encontrar a receita disponibolizo-a, lá isso garanto.

7.1.10

Sonhos

Bons e reconfortantes, como nos livros de fadas, ou nas caixas de comprimidos.

Estratégia de vitimização

Se olharem para a esteira do tri vêem perfeitamente que ele acelerou para se colocar na proa do Sea Shepard. A Greenpeace anda à procura de um mártir. Um dia tê-lo-á, e alguém terá morrido por causa de jogos imbecis.

Dúvida metódica

Um destes dias devo fazer um ECG "em esforço". Pergunto-me a que tipo de esforço se refere.

Lotaria genética - 1º prémio

Tinha o corpo elástico, seco, límpido de uma jovem; e a mente de uma mulher com muitas vidas já vividas, e algumas por viver.

(Post com dedicatória)

6.1.10

TSO ("Tender shaped objects")

Uma fotografia linda e, até, polissémica.



Daqui, claro.

Empresários, suspiro, portugueses

Recentemente paguei 18,50 euros - dezoito euros e cinquenta cêntimos, ou seja: muito - para jantar e ouvir um senhor debitar muitos disparates (por esta ordem) sobre os mais variados temas (mas principalmente "o Mar"). Se bem eu evite jantar por quantias consideráveis como essa forçoso é reconhecer que a refeição estava boa.

Já os disparates do senhor foram, por assim dizer, penosos. Quando intervim, após a sua exaltada palestra, consegui rebater alguns pontos. Mas não todos - dei a prioridade ao "Mar" e oops, não quis alongar demasiado as minhas observações. E o que ficou de fora foi, infelizmente, os "empresários portugueses". São "selvagens", "desumanos", "gananciosos" ou, como é aqui também dito, "retrógrados". Numa palavra, dizia o senhor, "não merecem o nome de empresários". São empresários "a fingir", "de trazer por casa", etc.

No Risco Contínuo deixei um comentário sobre isso (se bem não queira meter no mesmo saco o autor do post, por quem tenho muito respeito, e o senhor do jantar do outro dia) que parcialmente reproduzo aqui, pois é um tema que me interessa bastante e que gostava de deixar registado "em casa":

"Seja como for, proponho uma forma relativamente simples de paliar a essa lamentável característica dos nossos empresários: a próxima vez que for, por exemplo, fazer compras diga na caixa que não quer pagar a conta que a empregada (na sua grande maioria) lhe apresentou, mas que quer pagar mais, sei lá 40%? 50%?, pois o ordenado dela é muito baixo. Não o faça a título de gorjeta: chame o gerente do supermercado e exija-lhe um recibo do montante com o qual v. - e certamente todos os portugueses não-retrógrados - querem compensar os salários miseráveis dos empregados.

[Faça o mesmo em todas as suas compras e a todos os seus fornecedores e] Vai ver que num curtíssimo espaço de tempo encontrará milhares de aderentes a essa prática e - como por milagre - os salários dos empregados portugueses terão aumentado." [o seu incluído, se a sua empresa tiver muitos portugueses não-retrógrados como clientes].

(PS - claro que há casos de abusos insuportáveis, como ainda recentemente citei aqui no DV. Não devem ser mais, nem menos do que os diferentes abusos dos empregados, ou melhor: todos os outros abusos e incumprimentos.)

5.1.10

Felicidade, vento, fascínio, magia, mar

De que falamos quando falamos de felicidade, vento, fascínio, magia, mar?


Não vais

Já te descrevi, lembras-te: um círculo de felicidade como a lua cheia a nascer nos trópicos. Não posso dizer mais nada: afogo-me facilmente no mais pequeno sorriso; nada conheço mais perto do infinito do que uma pele, ou dois olhos resplandecentes. Lembro-me vagamente de ti sentada em mim como num potro selvagem (há quanto tempo?), lembro-me de ti a fremir como a água para o chá, tranquila e profunda, a soprar como uma locomotiva impaciente. Sinto-te na roupa como a areia que tanto me irrita: vaya, vaya.

Não vais. Não sais. Não cais.

Indecentes

Pronto, vamos a isto então: a lua estava cheia, dizias tu. Eu não sei: nunca olho para cima, seja dia ou noite. Prefiro olhar em frente ou para baixo, não vá o diabo tecê-las e enganar-nos com ilusões. Como a da noite, por exemplo: a noite. Puta que pariu a noite; sem ti não há noite possível, sem ti não há nada, não há verdade sequer: uma cama sem ti é um ersatz. Sem ti não há palavras.

Esquece as palavras: um milhão delas não vale duas mamas bonitas, ou um ventre liso como o teu. Dois milhões não te chegam aos joelhos, quanto mais a essas coxas magníficas com as quais me apertas quando te esqueces da lua, ou do amor. Muitos milhões não chegam aos dois lábios com que me percorres o corpo, o membro teso como o futuro. Por mim, podes esquecê-las todas, as luas, as palavras ou as mãos - as tuas e as minhas, sôfregas de tão ansiosas, tão límpidas, tão claras.

Esquece a merda do amor: não é de amor que se trata, percebes? [sotaque de Cascais] Percebes? [fim do sotaque de Cascais]. Esquece o gajo com quem fazias window shopping em Durban, o que te vomitou o carro todo em Jo'burg, o priápico com quem fodias noite e dia em Cape Town, esquece as noites dementes de Lubumbashi, quando apontavas para o umbigo e gritavas "até aqui", esquece as noites em La Guaira a olhares para as mamas e a perguntares "gostas delas?" (já sabias que a resposta era "sim" e querias arrancar-me mais palavras, mais um fôlego que fosse, um arfar, um som). Esquece as noites todas e os dias todos em que deste mais amor do que aquele que recebeste; ou ao contrário. Não penses nas fodas que deste em todos os camarotes de todos os pilotos de todos trampers de todos os portos sublimes dos oceanos todos, ou quase; ou nos vagabundos que te bateram à porta e te assustaram a meio da noite, ou te saciaram como se a fome estivesse para acabar. Esquece a lua, as mamas, as coxas, a pele, esse sexo no qual te deixavas enterrar até à alma, que tão perto está das cordas vocais, qualquer mulher o sabe; e nenhum homem o adivinha.

Esquece o marido, o filho, pai, a sobrinha, as hesitações, as impossibilidades. Esquece as porras todas por que passaste na tentativa de passares por uma mulher decente. Não há mulheres indecentes.

4.1.10

Personagens fictícias

Era-lhe muito fácil aparecer como a pessoa mais adorável deste planeta: tinha dois souffre douleur que absorviam por ele a merda que lhe chegava.

Então é assim

Se te telefonarem, telefona; se te enviarem um mail, responde por mail; se te escreverem uma carta, escreve uma resposta em papel. Responde. Só os carroceiros pensam que não responder é de senhor; não é: é de animal.

"Pateta, perigosa" e cobardola

"Campanha usa frase do Papa contra nova lei da blasfémia".

(Via Blasfémia.)

Uma excelente razão

Este post é para não acabares com o blog, Lourenço.

3.1.10

Uma pergunta ou duas

Lisboa, gloriosamente Lisboa

O exílio cascalense (ou, mais exactamente, são joanense do estorilense) está quase a acabar; confirmou-se aquilo que sempre pensei: o que justifica viver na Linha é o Paredão (de resto em cada vez pior estado. Isto de se fazerem obras só para as eleições também tem que se lhe diga); a Casa do Largo, quando o Luís - continua o melhor barman do mundo - lá está (isto é, a partir das 5 da tarde); e pouco mais. Duas razões poderosas e algumas menos.

Classe nova-alta

A parte chata de ver o dinheiro mudar de mãos é que as novas classes possidentes (ou melhor: os novos indíviduos nas classes possidentes) ainda não perderam a vergonha. Isto é: ainda não conseguem esquecer-se de como era quando não tinham dinheiro.

2.1.10

Jantar improvisado - frango guisado com enchidos

Comecei por fritar o frango numa frigideira grande, voltando-o frequentemente para ficar bem dourado. Numa panela, pus duas cebolas a refogar, e dois pimentos encarnados, no óleo onde tinha acabado de fritar (e retirado, cela va sans dire), um chouriço de Seia daqueles negros que estão a meio caminho entre um chouriço e uma morcela. Um bocadinho antes de a cebola e o pimento estarem quase juntei-lhes uma farinheira. Quando isto tudo estava, acrescentei o frango dourado (mas não frito), o enchido de Seia; mexi bem. Passados alguns instantes (não me lembro se contei até dez, se até mil, ou se contei de todo) pus meia garrafa de vinho tinto, acabei de cobrir com água, temperei com salsa mal picada (muita salsa, muito mal picada), quatro ou cinco alhos en chemise que nós cá por estas bandas somos pouco por indecências. Orégãos e louro completaram os temperos (e sal, claro).

Depois foi só deixar cozer, acrescentar as batatas descascadas e cortadas no momento certo para cozerem não muito. Um bom Dão, e todos para a mesa.

Retrato possível

Ela era simultaneamente doce e excitante, como uma descida suave mas longa de bicicleta.

Única

Não és a única, mas só a ti o posso dizer - o que faz de ti a única.

Fragmentos

...de maneira só me resta o sono, o insuficiente e falível sono...

1.1.10

Perspectivas

"On vit un cauchemar avec ces portugais sauvages au-dessus de nous. Si je n'aimais pas ce peuple, j'en serais dégoûtée à vie". Quem assim se exprime é uma senhora suíça, grande amiga minha (e ex-mulher, o que torna misteriosas - ou pelo menos incompreensíveis - as razões que a levam a "gostar deste povo"; mas isso é outra história, se bem dê uma boa ideia da sua incomensurável tolerância e abertura de espírito).

A verdade é que ela não gosta de festas de fim-de-ano e por isso foi para a montanha com a filha e umas amigas. Escolheram um chalet antigo, numa pequena estação de ski não muito conhecida; e logo por azar no andar de cima instalaram-se onze portugueses.

O chalet é antigo é não tem isolação sonora, pelo que a minha amiga e ex-mulher foi lá acima falar com eles logo no dia a seguir a terem chegado. Eles pediram muita desculpa, muita. E claro que tudo continuou na mesma: miúdos a correr ininterruptamente, gritos (aparentemente as mães portuguesas não conhecem outra forma de falar aos filhos), barulho até às tantas. Acresce que o apartamento é pequeno demais para tanta gente e portanto tiveram que se dividir em dois grupos - mas o ponto de encontro continua a ser aquele apartamento, pelo que aos ruídos habituais há os das portas a abrir e fechar a qualquer hora e sem qualquer espécie de precaução, as pessoas a subir e a descer escadas e a falar altíssimo (parece que os portugueses falam muito alto entre eles. Nunca tinha reparado).

Eu estou mesmo a ver como vão ser os relatos do fim-do-ano feitos pelos membros desse simpático e esclarecido grupo: "pá, aquilo foi uma curtição incrível. No andar de baixo estavam uma suíças que se fartaram de reclamar, mas a malta cagou nelas e dizia-lhes que sim. Os suíços são mesmo uns chatos, um gajo não pode fazer nada, ao mais pequeno ruído é logo a mandar vir. Mas mesmo assim foi curtido, fartámo-nos de skiar nas pistas negras e ... ... ...".

Casus veli

O problema de um gajo ser casado com uma mulher-polícia é não lhe poder dar um fletibaite de vez em quando, para descarregar os nervos. Ou até antes de uma berlaitada, às vezes ajuda. Mas a gaja não está assim muito pelos ajustes, e eu ainda me lembro - nunca me hei-de esquecer - do arraial que levei quando a conheci (a cabra até pontapés nos tomates) de maneira acho melhor não insistir muito. Uma vez propus-lhe que podíamos tentar só uma galhetazinha assim a escapar se ela achasse que eu tinha razão e ela disse que sim, mas só quando houvesse um casus veli, acho eu que foi assim que ela disse. E logo praí dois dias depois vi-a outra vez a mijar com a porta da casa de banho aberta, que é uma merda que detesto e lá lhe enfiei a galheta pelas trombas, mas ela disse que eu era um bruto e que tinha dado com força de mais e pronto, e enfiou-me um pontapé nas bolas que até vi estrelas.

Acabou ali a combinação - os polícias têm cursos de defesa corporal, e não vale a pena um gajo estar a armar-se a mânfio. E a verdade é que a gaja é boa, e trata bem do nosso filho, chama-se Edgar, o puto, que é o nome do meu avô e ela é uma boa mãe. Só me chateia é quando convida os colegas para lá irem a casa, não gosto nada de ver a casa cheia de bófia e depois nesses dias fica esquisita e faz perna de borrego no forno sempre para os colegas, vá lá saber-se porquê. Eu até gosto de perna de borrego no forno, a receita dela é muito boa, "mas porquê sempre a mesma coisa quando os teus colegas vêm cá a casa?", perguntei-lhe. E ela disse "porque eles gostam" e pronto, dali não arreda pé, a mulher tem pelo na venta olá se tem.

De maneira no que toca às galhetas o assunto ficou arrumado: eu não lhe dou e também não levo. O puto lá vai crescendo, já tem quase dois anos e o tempo até passou depressa, não fosse eu estar desempregado e não conseguir emprego. Até nem é muito chato, um gajo não fazer nada, mas o pior é que ela me obriga a mudar as fraldas do puto e a passar o aspirador lá em casa e eu bem reclamei "qualquer dia até a loiça lavo, não? Tás mas é maluca, eu a passar o aspirador" mas pronto, como de costume ela ganhou, a merda do RMI não dá para as cervejas e para uma mulher a dias e a gaja simplesmente disse "eu não pago mulher a dias, se quiseres paga-a tu", a cabra sabe perfeitamente que o RMI é o meu dinheiro dos copos e pronto, agora mudo as fraldas e passo o aspirador. Claro que não digo a ninguém, lá na tasca ninguém sabe. A malta já desconfia de mim por eu ser casado com uma bófia e foi um sarilho convencê-los de que ela é porreira.

Um dia ia andando à porrada com um dos gajos que começou a mandar bocas sobre as curvas e o excesso de velocidade e o caralho e os radares "onde é que ela tem os radares, ó pá, sabes?" perguntava-me ele. "Ora, ele não se importa com isso, o gajo anda de bicicleta" disse outro. "Coitado, para subir aquelas tetas deve ser um sarilho" e aí eu disse "ó malta, ou vocês param já com essa merda ou armo aqui um casus veli". Os selvagens não sabiam o que era um casus veli e aquilo acalmou-os um bocadinho, começaram a discutir se era veli ou beli ou caso e pronto eu disse "veli ou beli ou o caralho, meus. Mas acabaram as bocas sobre a minha mulher. Uma polícia também deve ser respeitada, é uma mulher como as outras, tem tudo o que as outras têm e nos mesmos sítios, ouviram?".

Isto funcionou uma vez ou duas, mas uma vez tive mesmo de arrear num deles, e aquilo ia degenerando. Cheguei a casa com um olho negro e a gaja perguntou-me se queria que ela lá fosse para resolver o assunto. E eu aí disse-lhe "porra, nem penses nisso".

De maneira as coisas agora vão andando: os gajos lá da tasca já se habituaram e não gozam comigo, o puto vai crescendo e a gaja tem uns horários fodidos mas pronto, trata bem de mim, da casa e do Edgarzito. Não está é assim muito bem para as berlaitadas, é difícil acertar os dias em que não está com o período com as noites que está em casa e eu comer uma gaja que joga pelo Benfica nem pensar nisso. Ela bem me pergunta "ó estúpido, que mal tem?" mas eu não alinho nessa. "Isto não é o estádio da Luz, que eu saiba" e pronto o assunto fica ali arrumado. A gaja ainda me ameaçou "tás a precisar é de um bom par deles, para veres a luz", e aí eu disse-lhe "se me fazes isso não há defesa corporal que te salve, mulher. Desfaço-te à porrada, sua puta" "se voltas a chamar-me puta enfio-te um pêro por essas trombas abaixo, ó inútil de merda" disse ela assim muita calma que é como ela fala quando está mesmo zangada. "Ok, ok, pronto está bem, mas vê lá também tu o que é que dizes, que isso de ameaçar um gajo com um par de cornos não se faz".

E assim ficámos. A gaja anda um bocado esquisita, ultimamente: só vê televisão e lê livros, de maneira quecas, manecas, nem uma, há muito tempo. Eu não gosto de filmes - na televisão ainda vá que não vá, mas com ela de trombas o tempo todo prefiro sair e ir à tasca ter com a malta. Amanhã vêm cá jantar os colegas e ela já me disse para ir ao congelador tirar a perna de borrego que lá está e as coisas vão ficar melhores, acho eu. A verdade é que estou com saudades das quecas e de quando lhe podia mexer nas mamas sem que ela grite "tira daí as mãos, sua besta" e das festas que me fazia. Ultimamente não temos parado de discutir por tudo e por nada. É o que dá não se poder enfiar uma galheta numa gaja quando ela abre a boca e nos fala assim como se fôssemos um monte de merda.