16.7.24

Diário de Bordos - Portocolom, Mallorca, Baleares, 16-07-2024

A isto chama-se falhar redondamente. Tanto que vem-me à memória aquela canção do redondo vocábulo, do primeiro dia e por aí adiante. O objectivo era ir ao restaurante do Clube Náutico de Portocolom, o meu favorito (é um dos poucos que conheço, acrescento não vá alguém tomar-me por guia). Fechado. (Há dois anos, diz-me o S. R., que é maiorquino.) A cidade, vila, aldeia, seja lá o que for está cheia a abarrotar. É a sua festa, informa-me um segurança destacado para controlar os contentores de lixo (não é piada. Aqueles contentores - cheios e com o lixo já por fora - são unicamente para uso dos iates e ele está ali com uma lista de nomes dos barcos. O EVE não consta dessa lista mas o homem deixa-me, após uma breve conversa, depositar os sacos.) As ruas estão insuportáveis,  cheias, intransitáveis. Encontro uma tasca que em dias normais deve ser óptima. Abrevio muito: hoje não é. O senhor que me serve tem cara de dono e está simplesmente esgotado e mal criado.

Pensar que ia para o restaurante do clube escrever faz-me rir. A tasca esvaziou-se de repente, só fica a música, abominável. Os gritos foram-se. Consigo pelo menos pegar no telefone e esboçar - isto não passa de um rascunho - o fim falhado de um dia porreiro. Enfim, mais ou menos porreiro. Um dia do qual um gajo não pode queixar-se senão de ninharias ou dele próprio é um dia chato.

R., o puto mais puto da família, adiantado mental - tem onze anos, mais coisa menos semana e parece ter dezoito - pergunta-me de que gosto mais no meu trabalho vírgula no mar, acrescenta.

"Primeiro: da liberdade", respondo. "Apesar de isto" - aponto para o barco e para o mar - "parecer uma prisão. Segundo: da complexidade. O que faço parece simples e fácil e não é."

O puto fica convencido e eu também. Consegui resumir uma vida em duas frases.

Há dias em que me sinto o Cônsul do livro do Lowry mas agora não consigo explicar porquê. Nem uma burra tenho lá fora, quanto mais um cavalo morto. Não há veículo que nos livre de nós, Geoffrey.

Apercebo-me - só agora - de que Geoffrey é a combinação de Terra e Livre. Não reli o livro vezes suficientes.

A tasca está quase vazia. Ele há milagres, Geoffrey. Bastar-nos-ia não acreditar neles. Nas nós somos incuráveis, não é? Vá lá, estou em Maiorca e não no México. Não arrisco a vida, com ou sem burra.

Apesar de vazia, volta e meia irrompem gritos na tasca. Desta vez provocados por duas mulheres que, diga-se de passagem, os justificam. Foram recebidas por um dos empregados com um justificado entusiasmo. Felizmente compraram cigarros e foram-se embora.

E assim quase acaba um dia que acaba quase falhado. Quase é uma palavra que engana muito. Agora vou ter com o resto da malta e depois vou para bordo, quase dormir.

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