24.2.04

Um dia (5)

O autor tem mais tarde ou mais cedo que decidir quem vai morrer, quem vai matar, e porquê: um romance, um conto, uma novela ou uma história sem mortes não são naturais; ou se antes de morrer alguém alguém nascerá. Os leitores também têm a sua palavra a dizer: um pede-me que inclua receitas de cozinha na história; outra, cenas de sexo ("daquelas que tão bem sabes descrever" - aqui fica o competente agradecimento e registada a ironia fina). Mas, por enquanto, Hannah e Bruno estão sentados num restaurante em Cascais, um restaurante muito bonito, decorado com temas náuticos.

- E tu, serás uma boa mãe? - Bruno não sabia se queria ou não ter filhos e tentava fugir à questão. Para ele, qualquer decisão era fácil de tomar, desde que fosse Hannah a tomá-la. Progredia na sua carreira profissional apesar de uma total falta de ambição. Mesmo o impulso que o levara a ajudar a rapariga que à sua frente tropeçara não proviera dele. "Foram as hormonas", explicava-lhe.

Foi assim que decidiram ter um filho: Bruno porque se as hormonas o tinham levado para aquela "grande perche", também saberiam fazer dele um pai. Hannah lembrou-se que de qualquer forma "não estava à altura" de nada na sua vida, e isso não a impedia de ter feito uma tese brilhante e provocatória (sobre Masada), de ter uma série de livros publicados - e, muito mais difícil - regularmente citados, de ser querida pelos seus alunos (sem jogo de palavras, por favor) e invejada pelos colegas - sinal seguro de sucesso na Academia.

"Que saberá ele de Daniel?", perguntava-se. Quinze anos após o tropeção mágico, como ela lhe chamava, doze depois do casamento e dez do nascimento do seu primeiro filho (e único, o segundo foi uma rapariga), Hannah ainda se espantava com a quantidade de coisas que Bruno sabia - dela, e do mundo em geral. "Tenho um marido que sabe tudo, e um amante que mal pode escrever o nome".

- Andreia, traga-me um café, por favor, - pediu Bruno.
- E um sumo de laranja, - acrescentou ela.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.