18.5.20

Kalimeradas (ex-Jeremiadas)

Os dias de «confinamento» escoam-se pelo ralo com o movimento circular da água do banho, mas sem a utilidade desta. Não serviram para nada senão dar aos governos a possibilidade de nos pagarem uns copos que já foram pagos por nós e nos serão cobrados com juros. Imensa gente acredita nos governos, coitada. Gente que gosta de ser enrabada e não tem a desculpa - ou explicação, se preferirem - de ser maricas. Gostam de ser fodidos, no sentido de enganados. Eu não gosto nem de um nem de outro e a única coisa que posso fazer é esquivar-me, «fugir para dentro», fingir que estou de passagem como o outro fingia que era poeta: estando de passagem. Os mecanismos colectivos são-me estranhos. O Mercadona mais perto de minha casa tem duas entradas. Vamos chamar-lhes norte e sul, trocando exactidão por simplicidade. A entrada sul tem sempre mais gente do que a norte, provavelmente por duas razões: tem um tapete rolante que leva as pessoas do rés-do-chão (o supermercado é no primeiro andar) e tem mais caixas, o que leva mais gente a sair por ali.

A entrada norte só tem umas escadas e tem menos caixas. Durante o confinamento, quando havia filas para entrar (ainda há, mas menos), a entrada sul tinha dezenas de pessoas e a norte estava vazia. Isto não é um exagero, é assim mesmo. Eu subia sempre as escadas, para não dar ideias e entrava logo. Quem estava na outra porta via-me (e aos outros que utilizavam a mesma entrada, claro), mas não se mexia. Continuava na fila. Um dia enganei-me e apanhei o tal tapete rolante. A bicha à entrada era enorme e o segurança indicou-me o sítio para onde devia ir. Disse-lhe que não, que ia para o outro lado, o homem acedeu e quando cheguei à outra porta vi que pelo menos dez pessoas me tinham seguido.

Amaldiçoei-me, claro. «A partir de agora vou ter filas nas duas entradas», pensei.

Não. A entrada norte continuou sempre vazia e a sul sempre cheia. O que me espanta nisto é que nem sequer sou mais esperto do que os outros, Tenho simplesmente mais aversão a filas, a grupos, a imitações. Isso não faz de mim um gajo mais inteligente, claro, mas não consigo deixar de me perguntar que raio de mecanismo fazia as pessoas ficar especadas numa fila quando a cinquenta metros podiam aceder directamente ao sítio para onde iam.

Há uma contradição nesta ideia de que duas cabeças pensam melhor do que uma só, porque se forem muitas deixam de pensar. Já não menciono sequer «melhor». Anulam-se. O QI é uma média, portanto o QI médio daquelas pessoas é cem. Mas isso é só se forem tomadas uma a uma. Em grupo o QI passa para zero, ou coisa que o valha.

Talvez até seja negativo, como agora se viu com isto do vírus: as pessoas preferem panicar e prejudicar-se a pensar. Ficam fechadas em casa e não contentes com isso injungem os outros a fazer a mesma coisa, como se baixar a média ou partilhar o medo fizesse delas pessoas de bom senso. Esta correlação imaginária entre o medo e a inteligência devia ser melhor estudada. Ter medo não é ser inteligente, é ser medroso. São coisas diferentes. Tal como o invés: usar a razão para analisar as situações não faz de quem usa o método um desmiolado irresponsável. Faz um ser racional, é tudo (é igualmente diferente de inteligente). Agora têm medo de ir à praia o levar os filhos à escola. Têm de andar o palerma e o palhaço a «dar o exemplo». Espero que tenham êxito para ver se pomos fim a este embuste.

Outro paradoxo: essa coisa de se aprender com os erros. Qual a percentagem de gente que vai reconhecer que se enganou? Duvido muito que se venha alguma vez a saber, mas aposto que vai ser muito baixa. E contudo a informação estava lá, desde o princípio. Permitia pelo menso que se começasse a duvidar do que nos diziam. O caso do paquete, os gráficos que demonstravam por a+b que o confinamento chegou depois dos picos dos contágios ou que não havia relação nenhuma entre os confinamentos e os contágios, os virologistas e epidemiologistas - foram muitos - a dizer que tudo isto acabaria por passar mal chegasse a Primavera, institutos insuspeitos como o Koch na Alemanha, a Suécia, os gráficos do Euromomo, as estatísticas sobre as mortes de gripe. De nada serviram, como o facto de haver uma entrada sem filas e as pessoas preferirem esperar. Houve um dia em que vieram atrás de mim, mas depois voltaram à sua prática habitual.

O problema é que no caso do Mercadona eu ficava a ganhar com o espírito de rebanho e no do vírus não. Perdi o mesmo que os outros, o que é uma injustiça. Yes it is.

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