20.9.22

Diário de Bordos - Alcudia, Mallorca, Baleares, Espanha, 20-09-2022

Quando um gajo não sabe por onde começar um post tem três soluções, das quais duas sérias e uma fantasiosa e a exigir mais talento do que o que um gajo tem à disposição: ou começa pelo princípio e segue em frente; ou pelo fim e desenrola a meada para trás; ou pelo meio e ziguezagueia como um marinheiro bêbedo (coisa de que não há registo na História, mas enfim, passemos). Claro é que isto dito assim parece muito mais fácil do que na realidade é. Começa por não se poder definir o que é o fim - questão essa que resolvi decidindo agora mesmo que o fim é agora; o mesmo se aplica ao princípio. Enfim, deixemo-nos de picuinhices e avancemos directo ao assunto. Vim jantar ao restaurante Xaloc, sugestão absolutamente bem sucedida do marinheiro semi-carrancudo que me recebeu na marina de Alcudia. A história acaba como o dia começou: isto é, muito bem. Excepto que durante o dia não tive a sorte que agora me acolheu de braços abertos, sorriso rasgado e uma empregada gira como tudo, em bónus. Ou seja, os meus clientes (no lingaurejar do métier diz-se guests, que se pode traduzir por hóspedes porque neste negócio não há clientes, há hóspedes e somos todos amigos e por aí fora) são seis jovens alemães com idades compreendidas entre os trinta e os cinquenta anos, visivelmente em viagem de rapazes. São a simpatia personificada, mas têm um pequeno defeito, ligeiríssimo: ouvem uma música abominável, aos berros, o dia todo. Hoje imaginei um cenário de filme em que lhes lançava o altifalante pela borda fora e depois explicava que fora um acto de insanidade passageira, coisa completamente contraditória com a «realidade»: se o tivesse feito teria sido um acto de sanidade. Mas enfim, deixemo-nos de degressões semânticas, olhemos uma vez mais para a empregada que substituiu a que me recebeu - um salto esteticamente qualitativo de um factor dez, no mínimo. O importante na história - recentremo-nos - é a empregada inicial: chego ao supra-mencionado restaurante Xaloc (que me foi indicado pelo marinheiro, como já aqui disse) e qual é a música? Pois adivinharam: a mesma da dos clientes. Não sei como se chama. Creio que é reggaeton, mas não tenho a certeza. É insuportável, abominável, insofrível, emético, é um insulto à música, está praticamente ao nível do hip-hop, vejam bem.

Resumindo: pedi à senhora para pôr a música mais baixo e ela não só acedeu mas ainda me perguntou se tinha sido o suficiente. Dise-lhe que não, claro, pedi um pouco mais e agora já só tenho aquele ruído em pano de fundo quase imperceptível.

A bordo não posso fazer isto, escusado é dizer. De modo venho o dia todo a ouvir este esterco, não tem outro nome. Felizmente os rapazes são simpáticos e bebem muita cerveja - começam de manhã cedo e só terminam à noite, pelo que fazem longas sestas durante o dia - e quando estão todos a dormir aproveito e baixo o volime do altifalante que não tive coragem para deitar borda fora.

Enfim: uma mistura de clientes porreiros, má música, um restaurante bastante aceitável, vento pela proa o dia todo e um jantar em Alcudia, o primeiro porto onde toquei quando vim pela primeira vez a Maiorca. Não há coincidências, meu caro, há repetições e padrões escondidos e uma empregada capaz de pôr um cemitério inteiro a pensar noutras coisas que não na morte.

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Do princípio pouco há a dizer: saímos de Palma no domingo porque sábado estava mau tempo, viemos para Andratx e agora estamos em Alcudia - uma barbaridade - porque estão todos doidos para ir a Cala Ratjada - escuso-me às explicaçõrs porque não quero que os meus leitores pensem mal dos meus clientes (ou hóspedes, para quem prefrir o linguarejar). Verdade seja dita que o vento pela proa não estava previsto. Não era muito forte - dez, doze nós - mas para estas bestas (um Lagoon 46, neste caso) é suficiente: de menos de quatro horas para fazer trinta milhas passa-se a mais de cinco e em vez de navegar dá-se marretadas na água. Isto enquanto se ouve reggaeton e se tem  seis jovens moçoilos a dormir ao nosso lado na ponte.

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Alcudia acolhe-me agora como me acolheu hà dez anos, mas ainda mexe por tudo quanto é sítio. É sempre a mesa coisa: chego a terra e vejo tudo a balançar durante horas, como se estivesse no mar. Ao fim destes anos todos já devia estar habituado, mas não. 

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A minha vista está cada vez pior. Se continuo a este ritmo não tarda ando de bengala branca. Vá lá, também ajuda para o equilíbrio.

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É que um gajo olha para a empregada e vê-se imediatamente à cabeça de uma prole de dez crianços, em escada, todos eles bem arranjados e carinhosamente tratados. É a atracção sexual reduzida à sua função básica. Não há um miligrama de artificialidade na senhora. Nasceu para fazer bebés com o homem mais selecto da área. (Aposto que vai no segundo ou no terceiro.) É a natureza, aquela que os tipos que têm com ela a relação que eu tenho defendem. É um leão na savana e não numa jaula de jardim zoológico, como são todas as outras que por aqui passam, com raríssimas excepções.

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Um bom jantar ao fim de um bom dia de mar, meia dúzia de disparates, uma empregada bonita, algumas fotografias porreiras: a vantagem de se ser um tipo básico é que os dias se enchem com pouca coisa.

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