F. procurava palavras como um gato ratos e elas fugiam-lhe como ratos do gato. Às tantas imaginou uma linha que não o era porque tinha três dimensões, enrodilhada sobre si própria. Apesar de ser caótica imprimiu-lhe um movimento turbilionário e esperou. As palavras, curiosas como são, começaram a entrar, mas devagar. F. pensou que lhes devia alterar a viscosidade a fim de aumentar a fluidez daquele circuito. Contudo, a força centrífuga atirava-as para as paredes do túnel e o débito do sistema era baixo. Um pouco de vibração fazia visivelmente falta. Como, porém, introduzir vibração num dispositivo giratório? Como vencer a força giroscópica? F. decidiu parar o movimento giratório, introduzir pedras mais leves no tubo, agitá-lo caótica e aleatóriamente ("para qualquer coisa um pleonasmo servirá", pensou).
Conseguiu. Do outro lado, pouco a pouco, começaram a aparecer vocábulos. Primeiro monossílabos; depois, progressivamente, o número de sílabas comecou a crescer, à medida que o peso das palavras metidas no tubo ia aumentando.
Baptizou o mecanismo com o nome de Sistema digestivo para palavras, patenteou-o e ganhou uma fortuna. No escritório das patentes o funcionário estava reticente. Coçava a cabeça, que tinha redonda e guedelhuda e perguntava: "mas para que é que isto serve?"
Pacientemente, F. explicou-lhe que servia para produzir a mesma coisa do que o outro sistema digestivo mas com matéria prima diferente.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.