25.8.05

Pedido

Venham, palavras, acorram, despachem-se. Digam-lhes que as amo, que são únicas, todas, cada uma, que me fazem pensar no mar azul no céu; comparem-lhes os seios à lua, cheia ou meia, tanto faz, ou digam-lhes que nela me põem, plena; que as mãos delas me percorrem como a poeira uma estrada do deserto, e os cabelos têm a cor de um candeeiro à noite numa ponte de Praga (nunca lá estive, mas pelas fotografias vê-se que é verdade); que entre as nádegas delas e as dunas do Kalahari pouca ou nenhuma diferença há, pelo menos nas formas redondas e nos sonhos; falem-lhes do ventre liso como a metade da praia que hoje à noite se via, no olhar nefasto e quente como os incêndios na savana, ou na Serra da Estrela, é igual.

Venham, palavras, acorram. Façam-me escrever, falar, ditar, mimar, façam o que quiserem, eu faço o que vocês mandarem, mas venham.

Falem-me, se quiserem, da igreja neo-gótica de Luderitz, da pequena encalhada num bar do Panamá, num navio que se afunda na Rússia, numa vida que se salva no Zaire; falem-me do fogo em ti, do amor em nós, do ódio neles, do bom e do mau e do medíocre, do simples e do complicado; falem-me de uma ressurreição em Cape Town ou de uma morte no deserto, falem-me de uma vida no mar, da vida se é que tal coisa existe; falem-me do sorriso da minha filha, dos seus amores e das tristezas, falem-me da ilusão, palavra tão bonita, ou da música de Nick Cave e de Leonard Cohen e de BachedeBeethovenedasegundasinfoniadeMahleredoesforçoqueéescreversemespaços; e com eles também. Falem-me da dificuldade que têm em vestirem-se para sair, as palavras, e voltar com um pôr-do-sol no Índico, um elefante no Krueger Park, uma leoa melancólica, um sorriso irónico na tua face de que tanto gosto (do sorriso e da face).

Falem-me, ou façam-me falar, disso tudo e de tudo o mais, o que é indizível e inaudível e incompreensível com palavras ou sem elas, com vocês ou não.

Lembrem-se que sem palavras a vida é nada, o deserto não existe sequer, nem o mar, nem o amor que por ti sinto, nem o ódio, nem a fome sequer, ou a sede. Sem vocês o mundo não existe, coitado, o Cave nada diz e do Leonard nem se fala; sem vocês o sol não se põe, o mar não mexe, o peixe não tem gosto e o teu olhar não sabe a nada.

Venham, despachem-se, por favor. Dêem ao mundo a vida, à vida a luz, à luz a côr, à côr o teu nome, ao teu nome e a ti o tempo, todo.

Para S.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.