29.11.24

Diário de Bordos - Caminha, Minho, Portugal, 28-11-2024

A linha que separa a loucura da estupidez é muito fina, quase invisível. Aquele tipo é louco, ouve-se muitas vezes dizer, quando na verdade aquele tipo é simplesmente estúpido. Isto acontece porque loucura e estupidez são dois ramos da mesma árvore: a irracionalidade. Não ser capaz de usar a Razão ou não a ter de todo.

Infelizmente, a estupidez é mais frequente do que a loucura e eu sou melhor a lidar com esta do que com aquela. Duas infelicidades. Juntas não fazem uma felicidade, contrariamente ao que os meus amigos da álgebra poderiam ser levados a pensar.

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Ao contrário do amor, que se alimenta de duas felicidades. E as alimenta, louvado seja.

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Amor esse que tem sobre a Razão o efeito que os halteres têm sobre os bíceps dos atletas (pelo menos sobre uma que eu conheço).

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Dias felizes com uma sombra poderia ser o título destes dias. A sombra chama-se P., como não podia deixar de ser. Felizmente Caminha (aonde de resto agora chove copiosamente) tem sol todo o dia e toda a noite. Ou um particular e local alinhamento de astros, que apontam todos na boa direcção.

Os que interessam.

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Só lamento a total ausência de leitura. Vá lá, pelo menos continuo a comprar livros. Poderei lê-los na pirâmide.

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Para a série Conselhos às novas gerações:
  • De dia, amor e gratidão não devem andar juntos. São  diferentes, passam o tempo a querelar-se e mais tarde ou mais cedo comer-se-ão um ao outro.
  • À noite convém equilibrar entusiasmo e técnica.

28.11.24

Já por aqui o disse, mas este blogue anda em circunvalações, espirais, às voltas e outros modos de se enrolar sobre si próprio

O verbo amar não tem pretéritos e a ter um seria o imperfeito. Tão pouco tem condicional. Só tem presente do indicativo e quem é o indicado, quem é? (Há presentes perfeitos? Não, só imperfeitos.) A declinação correcta do verbo amar implica o uso constante da forma interrogativa. Ah, só tem duas pessoas - a primeira e a segunda. Do singular. 

Ponhamos de lado as circunvalações conjugativas de verbos que de nascentes passam a torrentes impetuosas cheias de quedas, cascatas, barragens, inundações e desaguam em fozes desconhecidas. Somos aquele canal estreito entre os bolbos da ampulheta? Somos o que fomos? Estamos constantemente a encher a ampulheta de mais areia, impedindo-a assim de medir correctamente o tempo e dando-nos a impressão errónea de que somos eternos? Se sim, quem põe a areia? O amor, claro. Que outra mão haveria para o fazer?

Somos uma mistura de areia que cai e água que corre e essa mistura tem um nome.

26.11.24

Três fragmentos e meio

O amor e a saudade andam sempre juntos, como se fossem irmãos siameses. Não são ou não deviam ser.

Escrevo-te com vontade de te dizer muito, tudo, de te esgotar com e nas palavras como se o mundo fosse tu. É.

Mas que me importa o amanhã se de hoje, já o dia vai no fim, só sei o que vejo: o amor e tu, juntos como se fossem um. São. 

Objecção contra a tua beleza: só com palavras a consigo retribuir e estas não lhe chegam nem à sombra.

Diário de Bordos - Lisboa, 25-11-2024

Soberbo jantar no Tentações de Goa com o V. da C. P. Há amizades assim. Parecem sair do nada - já não me lembro de como o conheci, sequer - não requerem quilómetros de estradas comuns, alimentam-se de coisas poucas: um excelente jantar, um gosto comum por duas ou três coisas, um reconhecimento do outro, um telefonema de vez em quando. "Estou a ligar só para saber como estás." O que define e resume a amizade é este "só". É muito, só para saber como estás. "Estou bem, obrigado. E agora estou melhor, porque tu me telefonaste só para saberes como estou."

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Por razões demasiado longas para explicar aqui ainda não sei se regresso amanhã a Caminha se na quarta de manhã. O mesmo se aplica com o regresso a Palma: ainda não sei se vou na sexta, no sábado ou quando vou. Isto não é só funambulismo em corda bamba. É não ter corda.

Não me queixo. Constato, simplesmente. (O verbo constatar está quase a adquirir a nacionalidade portuguesa. Devemos deixar de o tratar como se fosse estrangeiro.)

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Recorrendo às pernas, a táxis, Uber, autocarros e metros consegui fazer tudo o que tinha previsto para hoje. Só falta o que não depende inteiramente de mim. A tal corda bamba que não é corda.

24.11.24

Ausência, espaço

Deixo  que seja a noite. É domingo, dir-me-ás. Está tudo fechado, não tens a bicicleta contigo, terás de ir a pé ou de táxi. Para onde? Lado nenhum. Ou seja: mergulho em ti, nesta tua presença que apesar de ausência é presença. 

Não sei que alquimia transforma ausência em presença, não sei que dor me faz sentir-te a meu lado estando tu tão longe, ignoro o que me tira o sono tendo eu tão pouca vontade de dormir.

A tua ausência preenche este espaço. Qual espaço?

Objecção

Objecção contra a Internet: não só deu voz à imbecilidade mas também validou-a.

Portugal, incesto

Uma parte de Portugal não passa de um imenso incesto. A outra é o resultado.

Comboio Porto Lisboa

Um senhor sente-se mal e vomita no bar. O cheiro é infecto.

A senhora do bar - admirável produto da natureza e da evolução - não tem nada para limpar o chão e defende que o resultado deve ficar aonde está.

Maravilhoso país, que fornece simultaneamente razões para o amar e para o detestar. 

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ADENDA: A cena prolonga-se. A senhora do bar, que de repente perdeu o estatuto de prodígio da natureza, diz aos dois acompanhantes do vomitado que ele não tem de se envergonhar. "Estas coisas acontecem". Os rapazes limparam o chão, verdade seja dita, talvez devido à minha indignação. Não sei. 

Sei que não percebo este grau de tolerância. Refugio-me no vinho tinto e no meu amor barra felicidade. É a melhor armadura contra os ataques do mundo barra Portugal.

Cannes, Marselha, Porto, comboio, etc. - 24-11-2024

Cannes: Às duas da tarde a temperatura era de catorze graus centígrados.  Breve alívio para esta maldita constipação, que desde Amsterdão não me larga.

Não vi nada da cidade, claro. Tão pouco tenho a certeza de que seria necessário.

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Marselha: Execrável jantar numa cantina italiana. Salvou-o a companhia do R. e família. É difícil encontrar um grupo de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças) tão agradável. 

Não são apenas as cidades que são feitas de pessoas. O mundo também é. 

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Porto: almoço com a L. Tenho de alugar um coração maior. O que tenho está pequeno para tanto amor e tanta felicidade.

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Comboio Porto - Lisboa: uma garrafa de vinho tinto de três decilitros e setenta e cinco custa quatro euros e vinte cêntimos. Pergunto-me se posso alugar um assento aqui ao mês, na carruagem bar.

(E com esta senhora a servir, porque a natureza é a coisa mais bonita que Deus nos deu. Ou teria dado, se existisse.)

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Passei Aveiro. Em breve chegarei a Coimbra-R.

Gostaria de pensar que a minha vida é feita de portos e de estações de caminho de ferro. Não é. Também há aeroportos. Um dia debruçar-me-ei sobre o assunto.

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Resultados provisórios das votações na Suíça: nada de muito animador, até ver. Os suíços então a virar à esquerda. A feminilizar-se, mais coisa menos coisa.

"La femme est l'avenir de l'homme." Não sei se é propriamente elogioso.

23.11.24

Diário de Bordos - Marselha, França, 22-11-2024

Jantar no Mas, copo pós-prandial no Café des Arts. Mudaram os dois de proprietários há pouco tempo. Continuam quase iguais: no Mas a comida estava porreira e a música muito alta, no outro toda a gente dançava e a escolha de runs é limitada. Bebi tequila e pensei que o Mediterrâneo é o berço daquela verdade absoluta "é preciso que tudo mude, etc."

Marselha continua o condensado de Mediterrâneo que há séculos é e assim continuará ad seculum seculorum

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As réplicas do terramoto sucedem-se. Hoje ao aterrar apaguei o telefone e ao ligá-lo não atinei com os PIN. Resultado: tive de vir de táxi do aeroporto para o hotel e de comprar um cartão novo. Cem paus pelo cano. O R. tinha ido buscar-me ao aeroporto e veio de lá furioso, claro. Felizmente o cartão novo reintegrou-me no mundo. Isto é, na net, como o andar novo da anedota. Agora preciso dos PUK dos dois cartões,  tarefa para a qual vou ter de mobilizar alguém. Há dias em que me detesto muito e outros pouco. 

Infelizmente aqueles em que não me detesto de todo ainda estão por nascer.

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Ao que parece a moussaka ficou boa. Há dias em que me acho suportável.

22.11.24

Diário de Bordos - Caminha, Portugal, 21-11-2024

Chove felicidade e eu não tenho chapéu de chuva.

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É preciso passar algum tempo sem ouvir a Ressurreição de Mahler para perceber o que é a ressurreição. «A quelque chose Mahler est bon.» A quelque chose aimer est bon.

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Jantar amanhã para me apresentar à boa sociedade caminhense. Não estarei: vou a Marselha ver dois barcos para um cliente. A minha vida é uma antologia de ausências.

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No fim da linha dessa viagem está um transporte Marselha Santander. De um porto que conheço bem a outro aonde nunca estive. A minha vida é uma antologia de descobertas. De ressurreições, por assim dizer.

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Resta esperar que a moussaka fique boa e valha a ausência. 

18.11.24

Diário de Bordos - Aeroporto de Genebra, Suíça, 18-11-2024

Passado o filtro ainda me resta uma hora e quarenta e cinco minutos de espera.

Qe saudades tenho das intermináveis filas do aeroporto de Lisboa.

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Na mesa ao lado senta-se um casal de portugueses. Ele de camisa cor-de-rosa, que achou por bem complementar com um cachecol preto; ela com uma coisa inidentificável por um ignaro da moda, estampada com desenhos que fazem lembrar pegadas de leopardo, talvez por causa da cor. Ambos aterradoramente feios e gordos (ela muito mais do que ele).

Duas vítimas da injustiça fundamental da vida, penso, tentando não me lembrar de que não sou propriamente um sósia de Apolo. 

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Tempo de sono esta noite: exactamente zero horas e zero minutos e tenho um lugar na coxia. Desta vez os malabarismos para ser o último a embarcar destinam-se a arranjar um lugar à janela, ver se consigo dormir. "Raio do homem nunca está contente", oiço alguém reclamar. "Quando tem lugar à janela quer a coxia, e agora que tem quer o contrário".

"Quando as circunstâncias mudam eu mudo de opinião. V. não faz o mesmo?", dizia um economista famoso. 

Neologismo, falta de educação

A ideia final, também conhecida por objectivo, era orgasmar-te, claro. Mas para isso há que ir passo a passo. De chofre não se consegue nada. Muitos caminhos levam a essa grande finale. Os meus começam invariavelmente nas palavras. Aliás, na verdade são elas que apontam, que escolhem o alvo, que me dizem quem se esconde por trás do pronome lá de cima. As palavras decidem e eu vou atrás delas, não à frente. Por vezes são simpáticas e sinalizam-me o caminho: um jantar, um passeio, uma ida ao cinema, uma sessão de leitura, um copo de vinho (para mim. Para ti pode ser outra coisa qualquer). Outras vezes não me dizem nada. Deixam-me ali no sopé da montanha, tal alpinista a escolher a melhor via para chegar ao cume. Já me aconteceu várias vezes ficar a meio do caminho, já me aconteceu chegar ao fim e ficar desapontado, quase sempre por causa de um desequilíbrio qualquer. Já me aconteceu de tudo, menos desistir antes de começar. 

Seria uma enorme falta de educação para com as palavras, não achas?

17.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 17-11-2024

Passeio tardo-melancólico por Genebra. A primeira coisa que noto ao sair de casa é que está menos frio. (Chegado confirmo. Estão onze graus.) A segunda é que há mais trânsito do que era habitual aos domingos. Penso muitas vezes num comentário de um americano sobre Lausanne que eu transpunha para Genebra: "Lausanne é uma cidade ligeiramente maior do que o cemitério de Chicago mas com menos vida" (transcrição de memória). Genebra já não é assim. Lausanne não sei, não vou lá há uma data de anos. Deambulo devagar, entro num café porque tenho de pôr um pouco de ordem nos dias (ou seja, na cabeça - dois cafés: dez euros e cinquenta cêntimos. A ordem nos dias só não se estilhaça porque já estou aclimatado aos preços, como às temperaturas), continuo a andar, no caminho de regresso vejo uma tascazinha a vender falafel a um preço convidativo. Entro, os falafel são óptimos,  as cervejas é que são caras mas estou-me nas tintas, a melancolia que leve a melhor, a melancolia e o tanque de tintas aonde estou, bem sei que em casa tenho cerveja e vinho mas esses ficam para depois (isto é, agora). Penso em tudo o que tenho de fazer - escrita, fotografia - pergunto-me se tenho de é o verbo adequado e a resposta vem bífida: metade de mim diz sim, a outra diz não, que não é ter de, é querer ou quando muito quando muito dever. A fronteira entre o abulismo e a preguiça é transparente de tão fina mas a agulha acaba por cair naquele, sempre é mais nobre.

Amanhã saio de casa de madrugada. Estive aqui uma semana e um dia e vi os netos duas vezes. É como quando nos jogos de basket pedíamos um minuto de pausa, indicador direito vertical contra a palma da mão esquerda na horizontal, um minuto de pausa, senhor árbitro. Neste caso foram dois.

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Pouco a pouco o "meu" P. vai deixando de ser meu. Só me apetece vergastar-me e dizer-me "É bem feita! É bem feita!" Não o faço. Mais vale perder do que não tentar. Não tenho de me envergonhar do que fiz, erros e asneiras incluídos.

E muito nenos do que não fiz.

Passado, futuro

Estamos no Outono, faz frio, fecho-me nos cobertores e penso nos versos de Baudoin sobre a Primavera:

"Mais l'air du printemps est une chose souple et tendre;

Les pores s'ouvrent, l'air entre en nous 

et nous, nous répandons délicieusement en lui."

(A citação é de memória, a versificação também.)

Começou com a noite: os poros abrem-se à noite e ela entra em mim; mas não, não era isso. Continuei a procurar o que poderá ser, já que o ar da Primavera não é de certeza. Tentei o tempo. Qual tempo - o que foi? O que será? Há sem dúvida qualquer coisa que entra em mim e na qual eu me espalho,  em paz, uma paz tão perto da felicidade que quase se confundem. Quase.

É o presente, a parte do tempo que se esquiva, fugidia, escorregadia. Quando se aperta um balão que está mal cheio uma parte do ar vai para um lado, a outra para o outro e o que nos fica na mão é um bocadinho de borracha sem nada, um anel que nem anel é - o presente. Passado e futuro estão de cada lado desse vazio, o ar escapa-se de um para o outro e não se demora no meio.

Espalho-me deliciosamente no ar do presente: sou a parte do balão que separa o que foi do que será. 

16.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 15-11-2024

Genebra é uma cidade oblíqua. "É uma cidade pequena que tem as vantagens de uma grande e não tem as desvantagens de uma pequena", dizia o meu amigo J.-L. de P. É verdade. A oferta cultural é gigantesca mas posso fazer quase tudo sem usar os transportes públicos.  Ou seja: a pé, que ainda não tenho cá uma bicicleta. Os quais transportes públicos funcionam de tal maneira bem que me fazem acreditar na possibilidade de utopias: autocarros pontuais e frequentes, mudanças de linhas sincronizadas, veículos em bom estado - o que aliado à ausência de buracos nas ruas proporciona viagens confortáveis. A título de curiosidade: um dos pontos a votos no dia vinte e quatro é tirar ao governo do cantão a fixação de tarifas e dar aos TPG (Transports Publics Genevois) mais autonomia nessa área. A esquerda opõe-se, será preciso dizê-lo? Diz que os preços vão subir. A direita e os TPG contrapõem que sim, provavelmente, mas que serão criadas muito mais ofertas de preços reduzidos. A discussão é patética. Em PPP os bilhetes custam muito menos do que em Lisboa. E se na equação incluirmos a qualidade aquilo fica a milhas do serviço da Carris, do Metro e do resto. A perder de vista. De fazer-nos pensar que estamos noutro planeta.

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Ainda não estudei todos os "objectos" de voto (aspas porque cito) mas passo quotidianamente pelas fileiras de cartazes pró e contra os diversos temas e a minha convicção de que isto é o melhor sistema político do mundo sai reforçada a cada passo. 

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Isto dito: as utopias positivas existem, mas eu estou impaciente de voltar para a minha distopia nacional. E ainda há quem pense que o homem é um animal racional. (Homem devia levar caixa alta.)

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Esplêndido jantar: goulasch e costeleta de vaca com molho de pimenta maison. Desta vez não juntei natas ao goulash e ficou muito melhor. A excelência das carnes ajudou, claro. É carne que a S. traz da montanha, de pequenos produtores locais e é indescritível de boa. Melhor sô a que comia na saudosa hamburgueria do H. F. e do A. G.,  à rua de Sta. Catarina, no Porto. A maravilhónica "gestão" da "pandemia" deu cabo dela. Quem pegasse num bocado de carne de merda (ou só de merda) e a esfregasse nas fuças de certo políticos (e não só, mas isso é tema mais vasto) iria direitinho para o céu dos "activistas".

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Durante o jantar vi as minhas fotografias (os postais da caixa De Passagem) dissecadas, analisadas e elogiadas por um espírito crítico e conhecedor. Um bocadinho de graxa no ego também é ingrediente essencial de uma boa refeição entre amigos.

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Hoje é dia de caldo verde com a família, para fechar a maratona gastronómica.

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A minha relação com Genebra mantém-se como sempre foi: gosto tanto de cá chegar como de me ir embora.

14.11.24

Paciência, outros

Todos nós temos na sacola várias ferramentas para lidar com os outros. Quando precisamos de tirar a paciência é chato.

13.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 13-11-2024

Na Holanda vejo três coisas: as bicicletas, os barcos e a água. Passa toda a gente a pedalar, uns depressa outros não; velhos, jovens, meia-idade, quadros, estudantes, operários, velhinhas que um gajo se pergunta se conseguirão andar a pé quando desmontarem, bicicletas de carga com crianças, cães, hoje vi uma com outra burra no porta-bagagens. Uma meta-burra, por assim dizer. Fico com vontade de alugar uma e fundir-me naquela massa fluida, regular, ordenada pela mão invisível do bom-senso e da experiência. E os barcos. Amarrações a cada esquina, barcos de todo o tamanho e feitio, como as bicicletas, só que em vez de estarem nas ruas estão entre elas. E a água. Água em todo o lado.

É uma mistura que acompanha perfeitamente uma genebra, mesmo jonge. Velha não bebi nem uma.

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Genebra (a cidade, não a bebida):

Chego a casa e não faço nada do que devia fazer. Amanhã também é dia. Roma e Pavia, etc. Além de que a noite cheio de frio me espetou uma constipação de caixão à cova. A S. acendeu a lareira e venho para a sala enquanto elas conversam - a B. veio cá jantar, não sei se vem todas as quartas se uma por mês. É a melhor amiga da S., uma logopedista simpática. Trouxe "pimentos de Padrón" (eram de França), uma garrafa de espumante e salsichas com bacon. E kale, uma verdura igual às outras em pior. Ela e a S. conhecem-se e são amigas desde a universidade. Fazem regularmente férias juntas. O espumante vem da semana que acabam de passar em Tours. Eu fritei os pimentos, as salsichas e ajudei a acabar um vintage que a S. trouxe de uma dessas semanas no Douro, este Verão. Depois retirei-me, em busca de outros calores. Gosto desta liberdade. Elas não só não se importam mas ainda me agradecem e eu tenho os odores da lareira e dos amores nascentes, dois aquecimentos que vão bem um com o outro.

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Amanhã é dia de fondue de queijo, especialidade minha que se apoia em dois simples pilares: o queijo de chez Oberson e a ausência de maizena (ou fécula de batata, o ingrediente tradicional). Vem a G., que jura a pés juntos que esta é a melhor fondue do mundo. Tendo a concordar com ela, atropelando um pouco a minha inabalável e inquestionável humildade.

Verdade seja dita, o mérito é escasso.  Mas isso fica para depois. Deixemos a humildade atropelada na rua, coitada.

12.11.24

Diário de Bordos - Amsterdão, Holanda, 12-11-2024

Exceptuando a espera no aeroporto de Genebra e o sobressalto à chegada a Amsterdão a viagem foi fluida, sem interrupções nem surpresas. Cinco minutos a pé - autocarro -  avião - comboio - metro - dez minutos a pé e estou no hotel, que é porreiro. Isto de deixar os proprietários fazer as reservas é sempre agradável. Pelo menos quando não são chungas, claro.

Aterrei aterrado: mal tive rede chega um e-mail da companhia de seguros: precisam de mais papéis, "clarificações" e do raio que os parta. A raiva só se me acalmou no hotel. "Tu já sabias que ia ser assim, Luisinho, não sabias?"

Sabia, claro. As companhias de seguros não servem para nos pagar aquilo que nós pensamos que nos devem pagar em troca do dinheiro que lhes damos mensalmente. Acreditar nisso é ingenuidade ou estupidez. Servem para tentar não nos pagar a ponta de um chavelho. Fazê-las falhar nesse intento é obrigação nossa, não delas.

De maneira lá passei o jantar a trocar mensagens com o banco.

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Jantar esse que não foi mau. Escolhi o restaurante porque é na Herengracht, o nome do hotel aonde fiquei a primeira vez que fui a Cape Town depois da viagem no Príncipe Perfeito (ou seja: a primeira vez que lá fui com olhos de ver), hotel esse palco da minha primeira bebedeira com Alexanders, de que ainda hoje guardo gratas recordações. Além disso, o restaurante é também um local de provas ou parte de uma fábrica de genebra ou qualquer coisa no género e na minha cabeça os neurónios genebra e Pai estão ligados e é impossível separá-los. Ou seja: triângulo isósceles Pai - Genebra - Cidade do Cabo. Impossível evitá-lo.

O restaurante chama-se A. v. Wees. É metade um buraco para turistas e metade um lugar porreiro, tem uma extensa e excelente colecção de genebras e fica muito perto do Café Zwaart, aonde bebi a bica e a genebra finais, acompanhadas por uma terrível sensação de déjà vu.

Que não é totalmente falsa: já por cá andei várias vezes. Mas é aborrecida. A última vez que aqui estive fiquei de tal forma desiludido que nem um sítio bonito e tradicional me entusiasma?

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O centro de Amsterdão já tem a iluminação de natal. O calvinismo só se dá mal com o prazer. Com os negócios sempre se deu bem. (Em Amsterdão habituou-se ao hedonismo: é pragmático.)

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Sensação esquisita no metro: pela primeira vez ofereceram-me o lugar. Comecei por recusar mas depois lembrei-me do furioso que fico quando uma senhora a quem ofereço um lugar sentado recusa e aceitei. Era uma jovem, provavelmente magrebina, bonita e o gesto tornou-a ainda mais bonita a meus olhos. Ia com o namorado e levantaram-se os dois. Vinte anos, talvez. 

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O barco que vou ver amanhã é um Sharky. Nunca fui grande fã dos Amel, mas com a idade comecei a reconhecer-lhes qualidades. Há coisas que só a vida ensina a apreciar. A Suíça também é assim.

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Há pouco lembrei-me de uma conversa em St. Martin com o amigo do J. Disse ao cliente deste trabalho que ia apanhar o metro e ele respondeu-me:
- Vai de táxi, não percas tempo em metros (a inspecção é amanhã. Hoje não tenho nada que fazer. Vim de metro). 
O amigo do J.:
- Fartei-me de trabalhar para proprietários tesos, daqueles que discutem duas cervejas. Agora só trabalho para malta com dinheiro. 

Outra coisa que vem com a idade: a sageza. Ou o amor-próprio, ainda não sei distingui-los bem.

11.11.24

Diz-me, sonho

Diz-me era a única palavra que lhe chegava aos ouvidos, ritmada como o balde de uma nora. Diz-me. Diz-me. Mas ele não percebia se ela queria que lhe dissesse qualquer coisa ou se queria que ele a definisse. Diz-me o que sou, diz-me como sou, diz-me.

Olhava para o longo corpo dela na cama, destapado e nu, seios caídos cada um para seu lado, cabelos pretos espalhados pela almofada e ouvia-a:

- Diz-me.

Mas não conseguia mais do que imaginá-la.  Dizer-lhe ou dizê-la eram - também - um sonho. 

10.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 10-11-2024

À chegada a Genebra a temperatura é de sete graus. Felizmente S. chega exactamente quando passo a porta para a rua. Não tenho de esperar: saio do aeroporto e entro no carro. O frio não tem sequer tempo de me ver; muito menos de me fazer senti-lo. Durante a semana que aí tão pouco me fará sofrer. Tenho um aquecedor que resiste a qualquer baixa de temperatura. É da marca Família & Amizade.

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Os netos esticam-nos o tempo, como quando um banco adia por alguns anos o prazo de pagamento de um crédito.

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Há pouco saiu-me um pequeno trabalho na rifa: ir a Amsterdão ver um barco para um cliente. É só um dia de trabalho mas implica passar lá uma noite. Vou terça e volto quarta. Um dia transformar-se-á em transporte, dias de navegação e mais massa. Venham muitos.

8.11.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 08-11-2024

Bebo rum Flor de Caña, oiço música variada e boa (combinação difícil), sofro do ombro esquerdo e calo-me. (A dor no ombro vem do trabalho dos últimos dias, suponho. O esforço físico devia estar sujeito a uma apreciação prévia do bom-senso.)

Ou seja: retorno ao sistema de saúde desta ilha. Eu não quero viver aqui. Quero ser doente aqui.

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Das vontades contraditórias.

Planeei fazer um goulasch e para isso vou às compras. Faço-as e em vez de voltar para bordo acabo no bar Rita a falar com o Joan sobre o Jaume.

O Jaume estava para o Rita como o Gonçalo Marques estava para o café Tati no Cais do Sodré. Este na música, aquele nas exposições. 

Joan diz-me:

- Com a morte do Jaume tudo mudou. O bar e eu. Tudo.

Percebo-o. A minha relação com o Jaume seria talvez um milésimo da do Joan. Falávamos de política  - o desacordo era total - da língua catalã - quase total. Ele concordava que a politização do tema é um erro - de arte. Jaume tinha uma daquelas personalidades das quais é impossível não gostar a seguir às três primeiras trocas. Uma vez tive uma grande conversa com ele, sobre estes temas e outros. Foi ao jantar.

No dia seguinte o Joan telefonou-me a dizer que o Jaume tinha morrido.

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Não posso escrever sobre Palma sem escrever sobre o bar Rita, que ainda por cima tem o nome de um dos meus amores perenes, infinitos. Coincidência? Claro que sim. Bonita? Adivinhem.

Querem outra coincidência?

O apelido do Jaume era Salvadego. O meu Pai foi capitão de um rebocador salvadego.

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O goulasch coze devagarinho (mijote, dizem os franceses). Tudo indica que vai ficar bom. Vou esperar mais meia hora, apesar de estar cheio de fome e de sono. Hoje resolvi ou resolveram-se dois ou três assuntos que arrastava comigo há algum tempo. Os rios precisam de uma foz e enquanto não a encontram correm tristes. 

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O goulasch não é muito muito ortodoxo. Coitado.

PS - apesar ou por causa disso estava óptimo. A cozinha lenta é imbatível. Invencível, quero dizer.

De rios

Um rio sem foz é infeliz; sem margens é um rio sem personalidade.

3.11.24

Isto não é vulcanologia

Os vulcões que explodem de repente são os que vão mais longe;  os que explodem devagar deixam traços muito mais tempo.

Vamos explodir de repente devagarinho?

Acasos e rimas

Será por acaso que papel e pele rimam? 

Aparências?

Alguém me pode explicar a diferença entre uma aparência e uma transparência, por favor?

2.11.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 02-10-2024

O ano de dois mil e vinte e três, um dos piores da minha vida - que, de passagem seja dito, conta muitos muito maus - prolongou-se por dois mil e vinte e quatro, com algumas hesitações. No dia vinte e um ou dois de Outubro culminou - ou, se preferirem uma linguagem mais astronómica, atingiu o nadir - e suicidou-se. A partir de agora nada poderá ser pior, salvo duas ou três excepções que não quero sequer mencionar.

Pouco a pouco, penosamente, faço o luto daquela mochila e do que ela continha. Todos os dias sou confrontado com a sua falta e todos os dias encontro uma alternativa. Pouco a pouco vão aparecendo ideias, planos para o futuro, promessas - tal e qual como a decisão de publicar o Avenida nasceu de uma experiência horrorosa. É curioso: este tipo de situações devia dar origem a monstros e não dá. É mais parecido com uma mudança de agulhas numa linha de comboio. Dessas decisões, uma é importante: banir a palavra projectos do meu léxico. Náo há projectos. Há planos e ideias e seja eu cego, surdo e mudo se alguns desses planos e ideias não se concretizarem. Talvez uma melhor analogia seja a do tremor de terra: a baixa lisboeta é o que é hoje graças a um deles. Veremos, daqui a um ano.

Entretanto vou redescobrindo uma Palma de que já tinha perdido o hábito: procurar sítios aonde possa escrever sem ter o meu próprio acesso à rede. Exercício curioso, interessante. A net faz a uma cidade o mesmo que a bicicleta. Isto é, tal como a cidade muda consoante se está de carro ou de bicicleta.

Acabei no Capuccino da Sant Miquel, o café mais bonito de Palma. Tem tudo menos um wifi que funcione, pelo menos na mesa aonde eu estava, perto da porta para ver a burra. Acontece porém que tudo isto começa a ter datas. Dia dez terei de novo um cartão suíço. Dia vinte e tal terei um computador. Ou seja: o futuro próximo está balizado. É como entrar num porto que não se conhece com mau tempo: ir olhando para as bóias e ter calma, refrear a impaciência. 

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O epicentro da minha Palma é o Mercat del'Olivat e será esse também o do livro sobre Palma que decidi escrever. É fácil: basta ir ao blogue e a primeira metade já está feita. E às fotografias, antes que elas desapareçam da «cloud».

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Como um Rimbaud ao contrário.

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Alguém um dia perceberá a relação quási incestuosa que há entre o mar e o tempo.

E que eu sou um produto dessa relação.

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A quantidade de dinheiro que gastei hoje poderia ser qualificada de insensata, se não tivesse sido gasta em livros e comida (no sentido lato, muito lato).

O rum e a literatura competem afanosamente pelo meu dinheiro. É uma competição sem descanso. Os livros levam sistematicamente a melhor, o que de certa forma é compreensível: o rum é uma necessidade, os livros são um luxo. É portanto compreensível que gaste mais nestes do que naquele (apesar de conter um vasto leque de ingredientes, como vinho tinto, vermute, hierbas, palo, cerveja. Até ingredientes sólidos inclui!, como a maravilhosa sandes de morcela que hoje foi o meu jantar na bodega Bellver, bendito sejas, Cliff). Já de livros a variedade não é tão grande: três de poesia e um do Baricco sobre música cujo título é um sonho: El alma de Hegel y las vacas de Wisconsin.

Poesia: Sobre los placeres de la vida, Anonimo (Anacreonte); Libro del frío, Antonio Gamoneda; Rubayyat, Omar Khayyam (Jayyam, na versão espanhola). O programa também é vasto, poder-se-á dizer. 

Resta-me esperar que esta competição continue por muitos anos.

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XXIV

Otro erótico

Otorgó cuernos a los toros
Natura y pezuñas a los caballos,
raudas patas a las liebres,
a los leones dentadas fauces,
a los peces el nadar,

a las aves el volar,
a los hombres el pensamiento.
Para las mujeres nada tuvo.
¿Qué les otorga? La beldade
por todo escudo
y por toda lanza.
Pues vence tanto a hierro
tanto a llamas con ser bella.


VIII

Al vivir sin envidias

No me importa la riqueza de Giges,
de Sardes soberano,
ni aún la envidia me invade
ni ambiciono ser rey.
Proprio es de mi con perfumes
mi barba embardunar,
proprio es de mi con rosas
mi cabeza coronar.
Me importa el hoy.
¿Quién conoce el mañana?
Mientras aún haya tranquilidad,
bebe, lanza los dados
y alza ofrendas a Dioniso.
No sea que te alcance la enfermedad
y digan «te prohíbo beber».


Anacreonte, in  Sobre los placeres de la vida, Anonimo, ed. Los secretos de Diotima,

Espiral, tempo e outros lugares-comuns

Somos o que fomos e fomos o que seremos. O círculo só não é um círculo porque é uma espiral: também há o tempo.

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O tempo privilegia o exterior. No interior toca menos. Somos duas esferas concêntricas com ritmos cronológicos diferentes. 

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O tempo: um dia, Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin et al. estarão ao lado de Bach,  Vivaldi, Beethoven, Mozart, Gesualdo e outros nas estante "Música clássica".

1.11.24

Fragmento

Escorrego lentamente para dentro da noite. Não vou sozinho: tu acompanhas-me, guias-me, dás-me a direcção do porto aonde me acolherás. Aconchego-me nessa memória que o tempo - e a noite - se encarregam de construir. É uma memória feita de pequenos passos, de palavras, de sorrisos. 

De distância, como começam todas as minhas memórias, todos os meus futuros.